Há muito tempo atrás, muito antes do modo de produção capitalista existir, os artesãos produziam seus produtos numa temporalidade que não é a que vivemos nos dias de hoje. Lá nos feudos eles recebiam encomendas mas que seriam executadas num tempo que seguia a ordem da vida.

Os artesãos não viviam para trabalhar. Uma mesa poderia ser construída no tempo necessário para que o artesão pudesse também viver a vida. Assim uma encomenda poderia ter um prazo de dois meses ou mais para que fosse entregue depois. Eles trabalhavam para viver a vida. A relação com a vida da cidade, com a natureza, com os outros, com a família, era proporcionada pelo tempo distribuído entre o trabalho e as outras atividades.

Quando eu era pequeno eu ia sempre com meu pai num alfaiate. Lá eu via meu pai encomendar suas roupas sob medida. Uma mesma roupa poderia ser refeita, uma vez que o corpo se modelava com o tempo. Via minha mãe também procurar suas costureiras e a lógica era a mesma.

As silhuetas do corpo mudam assim como as silhuetas da vida. A primavera, o inverno, o outono e o verão são algumas das silhuetas da natureza. A cada momento da vida temos um toque para mais ou para menos, mais para lá, menos para cá. Vi os artesãos da arte de acompanhar as silhuetas dos corpos através dos tecidos.
Hoje vemos que as pessoas se adequam aos tecidos já “silhuetados” pela lógica da massificação dos produtos.

Os corpos se ajustam ao que já está pronto, ao invés dos corpos receberem o olhar cuidadoso de um artesão que segue as nuances e os caminhos do corpo. Mas vivemos numa sociedade onde não há tempo para espera (muito menos esperar por três meses por um produto), muito menos ter que procurar alguém para produzir uma roupa que acompanha a silhueta do nosso corpo a cada momento da vida… Vivemos o tempo instantâneo, dos desejos instantâneos que buscam se conectar com aquilo que o mercado produz na velocidade quase da luz.

Assim nos adaptamos àquilo que já está pronto. Todo um mercado, não somente, de roupas, mas também de ideias está ao dispor dos consumidores prêt-à-porter, isto é, são aqueles que consomem aquilo que já está pronto para ser consumido. As pessoas vão se acostumando a consumir ideias prontas, meio como nos acostumamos a não ir mais a uma costureira e a um alfaiate para produzirmos as nossas próprias roupas.

Os artesãos de vida são aquelas pessoas que não seguem a lógica da produção neoliberal, dos mercados instantâneos que capturam o desejo de cada um através da soldagem deste mesmo desejo aos inúmeros objetos-produtos que vão sendo produzidos a todo tempo e em todo lugar.

Quem olha de forma atenta para os encontros na cidade poderá encontrar, de vez em quando, uma pessoa que não se aprisiona na lógica instantânea de consumo que falamos mais acima. São pessoas que buscam ser artesãos da sua própria existência, encontrando a boa medida entre aquilo que consome com aquilo que é necessário para sua existência.

São pessoas que buscam estar com outras pessoas, meio como os alfaiates e costureiras, procurando encontrar as silhuetas e contornos da vida dos outros, valorizando aquilo que é belo no outro e, por sua vez, compreendendo as imperfeições existenciais de cada um, afirmando que somos seres imperfeitos também. Os artesãos de vida convivem com os paradoxos da vida, com os paradoxos da existência, com os paradoxos da cidade. Assim como os alfaiates e costureiras que sabem compor com os olhos e as silhuetas de um corpo que não está tão em forma, sabendo destacar e valorizar tantos outros contornos.

O duro é quando vemos pessoas desejando serem perfeitas. Talvez não aprenderam a lição dos alfaiates, das costureiras, dos artesãos que trabalhavam para viver (ao contrário de se viver para trabalhar) produzindo num tempo bem diferente desta temporalidade que nos diz que a produção nunca deve parar. Homens, máquinas, produção, tempo, cidade, corpos, silhuetas, imperfeições, contornos, vida! Melhor seguir a direção da vida a ser dominado por uma vida aprisionada pelo instantaneísmo de uma vida artificial.

Abraço,

Paulo de Tarso