Na pandemia, uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos foi vítima de algum tipo de violência
Agosto é o mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher. Graças à Lei Maria da Penha, criada em 07 de agosto de 2006, mulheres têm direito à proteção social e do Estado inclusive contra atos de agressão sofridos no ambiente privado ou intrafamiliar. A lei é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores do mundo na questão do combate à violência cometida contra as mulheres e vem mudando a forma como o Brasil enxerga e lida com a agressão doméstica e familiar.
Porém os números ainda impressionam negativamente. A cada minuto, oito mulheres são agredidas no país e, na pandemia, uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sido vítima de algum tipo de violência, sejam físicas, verbais, psicológicas ou sexuais. Esses dados são do relatório “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, do Instituto Datafolha encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Além disso, nove em cada 10 mulheres não confiam nos órgãos oficiais de atendimento à mulher vítima de violência, de acordo com dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto AzMina, em parceria com a consultoria Plurix que ouviu 437 mulheres e homens de todo país. Na tentativa de reverter esse quadro, organizações e projetos tomam iniciativa na tentativa de promover ações que levam informações necessárias de apoio e suporte para mulheres que tiveram a vida prejudicada por conta dos agressores.
A Fundação D’Camargo Centers, comandada pelo psicanalista clínico Cezar Camargo, 40, é uma delas. Localizada em Rolim de Moura, no estado de Rondônia, a instituição busca auxiliar mulheres em situação de vulnerabilidade emocional, que passam ou passaram por episódios de violência doméstica. “O nosso trabalho se inicia no acolhimento não apenas daquelas que já sofreram algum tipo de agressão, mas também das que podem sofrer. Em conjunto com a Pastoral da Menor, do Conselho de Mulheres e a Delegacia da Mulher da cidade, nós ficamos sabendo de situações que ainda não chegaram as vias de fato mas que já existe uma agressão verbal, o que gera uma tensão por parte da mulher. Então, o nosso trabalho inicia com a prevenção, no ouvir relatos e tentar apresentar soluções para que essa mulher consiga se desvencilhar dessa condição”, explica Cezar.
A Fundação oferece suporte psicológico, jurídico, social e assistencial para mulheres que passam por violência doméstica e que precisam de ajuda para se reerguer e ter autonomia da sua própria vida e história. É uma rede de apoio com a intenção de resgatar, a cada dia, a força e a coragem dessas mulheres que já sofreram tanto no convívio com seus algozes. “Tem mulheres que se submetem a essa condição porque os agressores ameaçam tomar seus filhos e elas imaginam não ter condições de pagar um advogado, outras por dependência emocional, outras por questões religiosas, por acreditar que o casamento será restituído e que tem que passar por aqui para mudar a pessoa”, conta o psicanalista.
Aos poucos, tendo o suporte necessário de uma rede de profissionais multidisciplinares as mulheres atendidas pelo projeto percebem que é possível sair da situação de vulnerabilidade. Possibilitar a esperança de um futuro melhor para a vida de mulheres que sofrem com a violência doméstica é uma das motivações da fundação para continuar ativa. “A gente não pode fazer muito ainda, mas toda nossa equipe se empenha para levar um olhar diferente de futuro para essas mulheres. Proporcionar qualificação, estudo, disciplina, preparo. Fazer com que elas tenham uma visão melhor de si mesma, escolhendo se amar, cuidar de si e, acima de tudo, mostrando que tendo uma rede de apoio e força de vontade elas podem mudar suas vidas”, defende o especialista.
Essa visão é compartilhada com todos os envolvidos no projeto. Mari Lira é gestora ambiental, mas a vontade de ajudar o próximo a fez enveredar por outros caminhos. Ela é supervisora da Fundação D’Camargo Centers e enxerga no trabalho que eles desenvolvem a luz no final do túnel para as diversas mulheres assistidas pela instituição. “O nosso trabalho é levar esperança para aquelas que precisam, mostrar que elas podem permear um caminho diferente. Ajudamos para que descubram exatamente onde querem chegar. Então, é uma trilha de esperança com diversas metas, para que essas mulheres consigam ver que é possível sair de uma relação abusiva e falar ‘estou livre, estou salva, estou bem, estou curada’”, defende Lira.
Agosto lilás com Afeto
Outra iniciativa que tem auxiliado pessoas em situação de violência doméstica é a Rede Afeto que visa dar apoio, fortalecimento, escuta e troca de orientações para meninas e mulheres em situações de vulnerabilidade. Comandada por Suzana Coelho, coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Salvador (Unifacs) e responsável técnica pelo projeto, a Rede Afeto começou como um espaço para ajuda de estudantes universitárias que sofriam abusos. O suporte ultrapassou as fronteiras da universidade.
“Criamos o Instagram e divulgamos alguns cards de orientação, mensagens de motivação e, além das alunas da própria faculdade, mulheres fora do convívio acadêmico começaram a seguir a página e demandar de nós algum tipo de acolhimento. Então, nos estruturamos e hoje somos um grupo formado por estudantes e egressas dos cursos de Psicologia, Medicina e Serviço Social. Começamos a fazer rodas de conversa, convidando as pessoas para bate-papos e assim fomos nos aproximando”, conta a coordenadora.
Com objetivo de ampliar ainda mais o alcance das informações compartilhadas, a Rede Afeto vai realizar o I Simpósio Agosto Lilás: “Reflexões multiprofissionais sobre o ciclo de violência contra a mulher”, no dia 28 de agosto, às 13 horas. O evento oferece certificação de cinco horas. A mesa de debate contará com a presença de profissionais de Serviço Social, Psicologia, Direito e Medicina, além de convidadas da Central Única das Favelas (Cufa) que participarão da abertura e do encerramento do simpósio com apresentações culturais. A live será realizada no Youtube e o público pode se inscrever através do formulário.
Combate através do Twitter
O Instituto AzMina em parceria com o Twitter desenvolveu a assistente virtual Penha. De forma rápida e fácil, as mensagens trocadas pelo Direct do Twitter ajudam na identificação de sinais de relação abusiva e orienta como interromper situações de violência de forma segura. Para receber um atendimento, basta enviar uma Mensagem Direta (DM) para o perfil @revistaazmina no Twitter.
“As plataformas digitais são um espaço fundamental para a conscientização acerca da violência doméstica. Nos últimos anos, vimos crescer a confiança de mulheres no uso de aplicativos para o registro de denúncias de assédio e violências. Na conversa com a Penha, a mulher vai saber mais sobre relacionamento abusivo, aprender como ajudar outra mulher nessa situação e receber orientações importantes de serviços gratuitos próximos a ela”, explica Marília Moreira, gerente de projetos do Instituto AzMina.
Quem precisar ser atendida pela assistente Penha vai receber informações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher mais próximos. Entre eles estão os locais públicos de denúncia como a Delegacias da Mulher, Defensoria Pública e Ministério Público, serviços de assistência social, acolhimento, a exemplo da Casa da Mulher Brasileira e outros centros de referência e unidades básicas de saúde e serviços de violência sexual e aborto legal. O importante é fazer chegar a mensagem para quem sofre de abusos de que qualquer tipo de violência é inaceitável.
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