Por Herton Escobar
Já imaginou usar um laser como uma pinça, para manipular organelas dentro de uma célula viva (detalhe: sem danificá-la ou interferir no seu funcionamento)? Ou como um bisturi superpreciso, capaz de fazer correções cirúrgicas no olho de uma pessoa?
Essas aplicações existem e só são possíveis graças ao trabalho pioneiro de três pesquisadores, laureados nesta terça-feira, 2, com o Prêmio Nobel de Física 2018: o americano Arthur Ashkin, o francês Gérard Mourou e a canadense Donna Strickland.
“O prêmio deste ano é sobre ferramentas feitas de luz”, anunciou o secretário-geral da Academia Real de Ciências da Suécia, Goran Hansson.
Ashkin, de 96 anos, é o cientista mais velho a receber o cobiçado prêmio – e já não era sem tempo, segundo pesquisadores da área ouvidos pela reportagem.
Ele foi o responsável, na década de 1980, pela invenção das chamadas pinças óticas, uma técnica que utiliza feixes de luz (lasers) para imobilizar, manipular e estudar átomos, moléculas, células, vírus, bactérias e outros objetos microscópicos em laboratório. Abrindo caminho, assim, para uma revolução no estudo do funcionamento mais básico dos seres vivos.
“Muitas coisas na Biologia foram descobertas graças a essa técnica”, diz o físico Paulo Nussenzveig, da Universidade de São Paulo (USP). “Há muito tempo o Ashkin merecia esse reconhecimento.”
“É um prêmio muito merecido, de longa data”, reforça o físico Hugo Fragnito, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que foi colega de Ashkin nos Laboratórios Bell (EUA), no fim da década de 1980, e assistiu a uma das primeiras palestras que ele fez sobre sua descoberta naquela época. “Ficou todo mundo de boca aberta”, lembra. “As implicações eram fascinantes – e viraram realidade.”
Além de segurar e manipular objetos microscópicos, as pinças óticas permitem também medir forças extremamente pequenas que atuam dentro desses objetos. Por exemplo, a força elástica de uma molécula de DNA, ou a que um vírus usa para penetrar em uma célula.
“Você olha para a célula, manipula e mede o que está acontecendo dentro dela, em tempo real e com a célula viva”, diz o físico Carlos Lenz Cesar, que também trabalhou nos Laboratórios Bell no fim dos anos 1980 e, inspirado por Ashkin, voltou ao Brasil e montou a pinça ótica do País, em 1991, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Achei a técnica muito interessante e fui convencer os biólogos de que era interessante para eles também”, conta o físico, hoje na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Precisão cirúrgica
Os outros dois laureados, Mourou e Donna, receberam o prêmio pela invenção da técnica de amplificação de pulsos ultracurtos (CPA, na sigla em inglês), que permite produzir lasers de altíssima intensidade, com uma grande variedade de aplicações nas áreas de Física, Química, Biologia e Medicina – entre elas, cirurgias oculares e fabricação de stents.
Tudo isso, de forma extremamente controlada e com equipamentos compactos. “Lasers de altíssima potência passaram a caber na mesa de um pesquisador, em vez de ocupar um quarteirão inteiro”, diz Fragnito. “São técnicas que abriram caminho para revoluções científicas”, diz Nussenzveig.
Mourou hoje é pesquisador da Escola Politécnica da França e Donna, da Universidade de Waterloo, no Canadá, mas desenvolveram a CPA em conjunto na Universidade de Rochester (EUA), também no fim da década de 1980. Ela era aluna de doutorado dele. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.