A proposta de emenda constitucional (PEC) que visa criar um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), sob a coordenação direta da União, levanta uma série de preocupações sobre seus impactos para os estados e, consequentemente, para a população. O projeto propõe a centralização das ações de segurança pública, afastando os estados do processo decisório e impondo diretrizes uniformes para o combate ao crime. Embora pareça uma tentativa de integração, a PEC ameaça a autonomia estadual e pode enfraquecer a capacidade das forças locais de lidar com o crime de forma adaptada e eficiente.

Para Adir Nasser Junior, diretor de Análise Legislativa do Instituto Fiscaliza, a PEC reflete uma concentração de poder preocupante. Ele alerta: “A tendência é colocar mais poder na União”, o que compromete a capacidade dos estados de “conseguir ter mais autonomia” para enfrentar seus desafios locais. O Brasil, com sua vastidão territorial e diferenças regionais, exige políticas de segurança pública que considerem as realidades específicas de cada localidade, desde o combate ao narcotráfico na Amazônia até o controle do crime organizado em grandes centros urbanos. Ao criar uma polícia ostensiva federal, ou seja, uma força nacional de atuação direta, a proposta pode “desconectar das reais necessidades das forças policiais em atuação no país”, ignorando as particularidades locais e aplicando soluções uniformes que nem sempre atendem às demandas específicas.

Nasser Junior também alerta para o risco de politização da segurança pública, já que essa força federal estaria sob o controle direto do governo central. “A criação de uma polícia ostensiva federal, seja uma PM federal, em regimes autoritários… abre espaço” para que se transforme em uma polícia com fins políticos, alerta o diretor do Instituto Fiscaliza. Ele enfatiza que o controle centralizado de uma força ostensiva pode levar à “criação de uma política nacional que é desconectada das reais necessidades das forças policiais”. O receio de que essa força acabe servindo a interesses de governo e não da sociedade é real, já que essa centralização favorece a concentração de poder nas mãos do Executivo.

Além disso, a proposta transfere aos estados e municípios uma parcela significativa dos custos, enquanto concentra o poder decisório na União. “Estados e municípios têm uma receita menor; eles vão acabar pagando e executando… isso é um problema sério”, adverte Nasser Junior. Ele destaca que, em muitos casos, os entes locais enfrentam limitações financeiras que dificultam até mesmo o investimento nas áreas básicas de saúde, educação e infraestrutura. O impacto para a população é inevitável: sem recursos suficientes, os estados serão forçados a fazer cortes em outros setores para sustentar essa nova estrutura de segurança pública.

Outro ponto crítico é o impacto na motivação e na eficiência das forças policiais locais, que acumulam anos de experiência e conhecimento sobre o comportamento e as dinâmicas criminais específicas de suas regiões. Segundo Nasser Junior, “as polícias desenvolveram ao longo dos anos um conhecimento profundo sobre a realidade do crime no estado, mas essa expertise pode ser desconsiderada com diretrizes impostas de cima para baixo”. Ele teme que, ao retirar das forças locais a capacidade de agir com autonomia, as polícias estaduais possam se “desmotivar”, o que levaria a um enfraquecimento na resposta ao crime e à perda de eficiência no combate à criminalidade.

A segurança pública brasileira, de fato, precisa de maior articulação entre as esferas de governo, mas essa centralização extrema proposta pela PEC não parece ser a solução adequada. Como explica Adir Nasser Junior, “esse sistema de conferências” que a PEC propõe, com decisões centralizadas e uniformes, tende a criar uma desconexão entre as diretrizes federais e as realidades locais. Ele conclui que “os estados acabam sendo esvaziados do seu poder”, e o verdadeiro conhecimento e experiência adquiridos pelas forças policiais locais são deixados de lado, resultando em políticas padronizadas que não atendem plenamente às necessidades regionais.

Para que o Brasil realmente avance no combate ao crime, é preciso respeitar a autonomia dos estados, valorizar o conhecimento local das polícias e buscar uma integração que harmonize as forças, em vez de concentrar o poder. Assim, é possível construir uma segurança pública mais eficiente, conectada com as realidades locais e comprometida com o bem-estar da população.