Como pensar o mundo atualmente a partir das tribos afetivas? Como as sociedades vêm se organizando ao longo dos séculos? A forma de Estado e dos governos que vemos perdurar até os tempos de hoje podem ser mudadas?
Bem, para começar a desenvolver estas questões, gostaria de início de pensar a relação entre três condições que ainda persistem como prática dos governos das pessoas. A relação entre o poder, a obediência e a violência. Vemos que a relação poder-obediência-violência poderá ser encontrada na maioria dos Estados ainda nos tempos de hoje. O poder exercido sobre as pessoas é claro desde o momento em que estas começam a não obedecer aos preceitos, regras, leis e imposições daqueles que estão no poder. Lógico, o caminho daqueles que estão no poder não será outro: o exercício da violência institucionalizada. Mas, como assim, “violência institucionalizada”? Claro, todo um aparato de poder sobre a vida das pessoas é criado para que todos se mantenham obedientes. Aqueles que estão no poder possuem em suas mãos uma “maquinaria” policial e militar para colocar a ordem onde eles desejam. Daí vemos uma institucionalização da violência que é garantida nos inúmeros casos que a “lei” envolve.
Outras formas de violência institucionalizada podem ser vistas nos tempos de hoje. Por exemplo, temos a notícia da possibilidade das matérias como, por exemplo, filosofia, artes, dentre outras, saírem dos currículos do ensino médio. Bem… a população foi convidada a pensar como o currículo deveria ser? Claro que não! Aqui vemos que a população poderá, mais uma vez, obedecer às decisões do pretensos “especialistas” das leis, dos currículos ou do que quer que seja! A vida das populações ficam à mercê daqueles que pretensiosamente acreditam ser os especialistas que decidirão sobre a vida das pessoas! Talvez estas pessoas nem devem saber decidir sobre as vidas pessoais delas mesmas, muito menos sobre a vida das coletividades!
Mas, teríamos sociedades que ganharam outras formas na sua forma de decisão, na organização da vida sócio-política? Sim, podemos encontrar inúmeros exemplos nas pesquisas de Pierre Clastres sobre as tribos indígenas na América do Sul, dentre outras. Clastres nos apresenta inúmeras formas muito interessantes nos modos como estas sociedades organizaram a vida política e social. Existem tribos que o termo “chefe” não existe. Os caciques-chefes em inúmeras tribos não possuem o poder de decisão sobre a vida dos outros: as tribos se auto-organizam, decidindo coletivamente os caminhos mais vitalizadores e que garantam a sobrevivência delas.
O cacique-chefe-líder precisará ter três capacidades fundamentais: 1 – ser um “fazedor de paz”, ou seja, ele terá a profundidade do espírito para sempre pensar reflexivamente com os integrantes de sua tribo na direção da paz interna na tribo e na relação com as outras tribos; 2 – ele é generoso: sim, se olharmos o cacique-chefe-líder não encontraremos os traços da ganância, do orgulho, da vaidade, da posse. Se alguém pedir alguma coisa de sua propriedade, ele não hesitará dizendo: “leve”! Esta generosidade é o signo do despojamento, pois aquele que está nesta posição, sobretudo, a ocupa para ser um “SERVIDOR”; 3 – ele também precisa ser um bom orador: sim, o cacique-chefe precisará tocar o coração e as mentes das pessoas de sua tribo. Com a profundidade do seu espírito ele levará as crenças, os valores, as histórias e os princípios que constituem o seu povo. Tocar com as suas palavras as mentes e os corações do seu povo será a garantia de conservar a vida, a paz e a serenidade entre as pessoas da tribo.
As TRIBOS AFETIVAS: vemos que a forma política das sociedades consideradas “primitivas” podem nos oferecer pistas para pensarmos os modos como nos organizamos. Pois, ao contrário das tribos exemplificadas mais acima, vemos que a nossa sociedade preconiza o desejo pelo poder, a vaidade, o orgulho, a ganância e tantos outros vícios que só mais apodrecem a nossa vida social e a nossa organização política. AS TRIBOS AFETIVAS, pois assim eu as considero, são aquelas que conservam a vida política, a relação entre todos da tribo, a partir do gesto.
Este gesto se dá pela lógica do exemplo: as crianças vendo, escutando, sentindo os gestos dos seus pais e daqueles que estão em postos de organização da vida social, aprendem desde pequenos que não precisam ser vaidosas, muito menos orgulhosas e, muito menos ainda, vivendo uma vida de competição. Elas aprendem pelo gesto de tocarem e serem tocadas pelo exemplo diário de que “juntos podemos mais”: juntos formamos uma unidade mais potente, mais vital, onde a vida da sociedade se autogere como o movimento e modelo perpétuo de construção de vida da natureza.
Abraços tribais,
Paulo-de-Tarso