Por Alfeu de Melo Valença

Já beirando os 80 anos, ao invés agir como um ancião previdente e usar o pouco tempo que me resta escolhendo um bom asilo ou, malandramente, ficar criando meios de enganar a Receita Federal para que meus herdeiros paguem menos impostos sobre a herança dos parcos bens que deixarei, tenho o vício de pensar. E quem pensa, analisa e racionaliza, permitindo-se projetar acontecimentos futuros.

Assim, com muita irresponsabilidade, farei uma previsão sobre o futuro político do Brasil, confiando de que não viverei tempo suficiente para comprovar, ou não, o acerto da minha tese. Dito isto, fico à vontade para escrever sobre um entendimento que vem tomando corpo no meu cérebro e que, pelo que tenho lido e ouvido, já está deixando outras pessoas inquietas pela mesma percepção. Sem desmerecer os que poderão se regozijar com a minha conjectura, me coloco frontalmente ao lado daqueles que estão desassossegados e preocupados com ela.

Alerto que o meu ateísmo não tem o monopólio da verdade. Aceita e convive muito bem com a diversidade religiosa, portanto, esta minha antevisão do nosso futuro político não tem qualquer conotação de preconceito ou preferência religiosa.

Entendo que a igreja católica não se modernizou e continua a manter os sacerdotes num altar, a dezenas de metros afastados dos seus fiéis. Os padres, de um modo geral, vivem distantes dos devotos e quase que só ouvem suas queixas, dúvidas e problemas na formalidade das confissões. Essas, concretamente, são entendidas como julgamentos punitivos pelos pecados e não como ferramenta de apoio, compreensão e orientação.

Talvez por isso, não é novidade que, no Brasil, nos últimos anos, as igrejas que representam o movimento neopentecostal têm crescido aceleradamente por conta de um grande trabalho de assistência social, aliado ao apoio espiritual dado a um povo empobrecido e sem muitas esperanças no mundo terreno. Isso é legitimo, legal e democrático.

Há muito tempo que os observadores mais atentos vêm percebendo que, paralelamente ao crescimento dessas igrejas, existe e evolui um projeto de poder político dos povos evangélicos, cristalizado por um número cada vez maior de pastores e seguidores que concorrem e se elegem para cargos públicos em todos os níveis.

Claro que alguns políticos profissionais, em atitude condenável, fingem se converter e adotam o neopentecostalismo com a finalidade única de angariar votos dos adeptos do mesmo credo. Não obstante, esses são minorias e não deslegitima o direito de líderes religiosos atuarem politicamente na defesa dos interesses de seus eleitores.

Contudo (sempre tem alguma conjunção adversativa para criar o contraditório), cabe perguntar: Sendo o Brasil, constitucionalmente, um estado laico, é válido usar o prestígio das igrejas neopentecostais para eleger seus representantes?.

Respondo: seria inválido se o Brasil fosse realmente um estado laico. E eu acho que não é. E questiono: Como pode ser laico um estado que oficializa feriado no dia de Nossa Senhora Aparecida, titulada – pasmem! – de Padroeira do Brasil? Todavia, registre-se, respeitando essa pseudo laicidade constitucional, os evangélicos, até agora, respeitaram a separação da igreja com a política.

Ultimamente, entretanto, essa postura tem sido abandonada e alguns discursos de evangélicos influentes tem tornado claro que, para eles, a separação entre igreja e política é um erro a ser corrigido e que, doravante, as suas posições políticas e intenções de poder serão claramente explicitadas. E por que não? Se no Congresso Nacional já existe a Frente Nacional Evangélica com 228 integrantes: 202 deputados federais e 26 senadores, distribuídos em vários partidos políticos, é de supor que, concomitantemente com o crescimento das igrejas, no futuro haja um número cada vez maior de parlamentares do mesmo credo.

Constatamos que esse movimento é o resultado de um planejamento bem-feito e exitoso. Se algumas pedras de Sísifo (atuação de pastores acusados de corrupção no MEC, é um exemplo) provocaram mudanças no caminho traçado, não chegaram a atrapalhar a marcha ou mudar o objetivo a ser alcançado. Coerentemente com essas afirmações, lembro que os evangélicos têm demonstrado muito poder, seja ocupando ministérios ou elegendo governadores e prefeitos, além de aprovarem isenções de impostos por bens e serviços, para suas igrejas e entidades de caridade.

Diante disso, caso as cataratas naturais da velhice não estejam embaçando minha visão, vislumbro com muita nitidez a possibilidade de, em um futuro nem tão distante, a bancada evangélica atingir maioria suficiente para propor, dentro das regras democráticas e constitucionais vigentes, uma reforma constitucional transformando a atual República Democrática Brasileira em uma República Teocrática.

Assim, concluo que, continuando a situação atual, em uma ou duas décadas, para o bem ou para o mal, o Brasil será gerido por ações políticas, jurídicas, policiais, de ética e conduta moral, baseadas e obedientes a uma doutrina religiosa. E essa doutrina certamente não será ligada ao hinduísmo, catolicismo, budismo, espiritismo, islamismo, judaísmo ou qualquer religião de origem africana.

Por Tempo Real RJ