Determinação libera a Justiça a não executar dívida de baixo valor com o poder público, impedindo penhora antes de outros meios

Quem tem dívidas de valor pequeno com o Poder Público — seja aos governos Federal e Estadual ou prefeituras —, está livre de ter bens como veículos e imóveis penhorados pela Justiça, devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A determinação da Corte, dada este mês, foi de que a Justiça pode extinguir processos de execução fiscal, caso não tenha havido outras tentativas de cobrança, como protesto em cartório ou conciliação.

O deputado federal e ex-presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), Gilson Daniel, disse que são pelo menos 100 mil devedores no Estado beneficiados com a decisão.

A execução fiscal é um instrumento que governos podem usar para exigir o pagamento de dívidas. Os ministros do STF entenderam que esses processos custam mais para a administração pública do que o valor a ser cobrado. Os valores considerados baixos variam conforme o ente público.

No âmbito federal, não são cobrados na Justiça débitos de contribuintes – em execuções fiscais – quando o valor total for igual ou inferior a R$ 20 mil, conforme dizem os advogados tributaristas Samir Nemer e Felipe Itala Rizk.

Já no âmbito estadual, os procuradores devem dispensar a execução fiscal de dívidas com valores iguais ou inferiores a 50 mil Valores de Referência do Tesouro Estadual (VRTEs) — ou seja, R$ 225 mil — e arquivar execuções fiscais anteriormente ajuizadas até esse valor.

Isso não significa a extinção do débito, mas sim a adoção de medidas extrajudiciais de cobrança. Já no caso de dívidas com valores menores que cinco mil VRTEs (R$ 22.500), podem ser dispensadas as cobranças administrativas.

“Cada ente público estabelece o seu limite, ou seja, cada município pode estabelecer o limite do que for considerado pequeno valor”, explicou Samir Nemer.

Além do protesto de dívidas, outra possibilidade é de se estabelecer câmaras de conciliação para tentar efetivar o pagamento dos valores. “É uma forma mais eficiente e mais barata desses entes públicos cobrarem essas dívidas de pequeno valor”, disse Samir Nemer.

Uma lei de 2012, por exemplo, permitiu à União, aos estados, Distrito Federal e municípios fazer o chamado protesto das dívidas dos contribuintes para receber seus créditos de forma extrajudicial, segundo os advogados tributaristas.

É uma boa decisão para as gestões públicas, pois o artigo 37 da Constituição Federal bate na tecla da eficiência, destacou Rizk.

Negociação entre STF e a Fazenda para arquivar ações

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, negocia com o Ministério da Fazenda um acordo nacional para arquivar ações de execução fiscal paradas há mais de 1 ano, sem a citação do devedor ou a identificação de seus bens.

Nos cálculos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), há quase 35 milhões de processos de execução no Judiciário.

A ideia que o ministro levou ao governo é de que as ações cujo valor de cobrança esteja abaixo de R$ 20 mil sejam sumariamente extintas, enquanto os processos envolvendo cifras entre R$ 20 mil e R$ 1 milhão sejam arquivados — com possibilidade de desarquivamento em caso de fatos novos, como localização de bens ou do devedor.

Já nos casos acima de R$ 1 milhão, será feito um “pente-fino” para avaliar se ainda há bens ou patrimônio disponível do devedor.

O objetivo é reduzir os estoques, “racionalizando” o processo de execução fiscal e, assim, descongestionar o Judiciário. Uma portaria já foi assinada pelo CNJ e pela PGFN, em conjunto com os seis Tribunais Regionais Federais, o Conselho da Justiça Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU).

ENTENDA

> Decisão do STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Justiça estadual pode extinguir processos judiciais pelos quais o poder público cobra débitos, as chamadas execuções fiscais, quando o valor for baixo. No julgamento, no último dia 19 de dezembro, o voto que prevaleceu foi o da relatora do caso, ministra Cármen Lúcia.

A Corte decidiu que não vale a pena o Estado executar uma dívida de baixo valor, considerando o custo que essa cobrança representa para a administração pública.

A ministra Cármen Lúcia considerou que juízes podem extinguir esse tipo de processo desde que outras alternativas de cobrança não tenham sido tentadas.

> O que é execução fiscal?

Quando o contribuinte deixa de pagar os tributos legalmente devidos, seu direito à propriedade encontra-se sob risco, podendo perder involuntariamente parte do patrimônio por meio de uma execução fiscal.

Execução fiscal é quando a União, estados, municípios ou suas autarquias iniciam uma ação judicial acompanhada da certidão de dívida ativa para cobrar uma quantia devida ao Poder Público.

Apesar do nome, o processo de execução fiscal não se limita à cobrança de tributos, incluindo taxa de Marinha, e pode-se usar a execução fiscal para cobrança de multas de trânsito, multas ambientais, multas aplicadas por agências reguladoras (a exemplo de Ibama, Anatel e ANTT).

A execução fiscal federal é um processo judicial para a cobrança de uma dívida inscrita na dívida ativa e devida à União Federal ou às suas autarquias, e que se processa perante a Justiça Federal.

Uma execução fiscal estadual é um processo judicial que serve para cobrar uma dívida inscrita na dívida ativa e devida ao estado ou às suas autarquias, como uma cobrança de ICMS e IPVA, que tramita na Justiça estadual.

Já uma execução fiscal municipal é um processo judicial que também segue a Lei nº 6.830/80, mas serve para cobrar uma dívida inscrita na dívida ativa e devida ao município ou às suas autarquias, como uma dívida de ISS ou ITBI.

Fala-se em execução porque, ao final desse tipo de processo, caso o devedor não pague a dívida, o Judiciário poderá “excutir” a dívida, ou seja, executar judicialmente a dívida, retirando do patrimônio do devedor o valor suficiente para saldar o débito.

Isso pode ser feito por meio de bloqueios eletrônicos de valores depositados em instituições financeiras, leilão de imóveis e leilão de veículos, por exemplo.

> Muitas ações com valores baixos

Um processo de execução fiscal custa à Justiça cerca de R$ 30 mil e dura, em média, 6 anos e 7 meses. Para se ter ideia, das ações do tipo em todo o País, 42% têm valores abaixo de R$ 5 mil.

Segundo um relatório feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 27,3 milhões de execuções fiscais pendentes, o que representa um terço de todos os processos judiciais do País. Em 2023, para cada 100 execuções fiscais que aguardavam solução, apenas 12 foram concluídas.

O mesmo estudo apontou o número elevado de execuções fiscais pendentes faz com que o Poder Judiciário seja mais lento para decidir todos os processos, além de não gerar melhora na arrecadação dos entes públicos.

Das 80 milhões de ações em curso no Brasil, 34% são das chamadas execuções fiscais.

Em dívidas de baixo valor, o custo de movimentar os processos de execução fiscal é muito superior ao próprio valor que se busca recuperar. Além disso, estudos mostram que os entes públicos têm mais chance de recuperar o valor da dívida quando usam o protesto de certidão de dívida ativa.

Fonte: Especialistas consultados e STF.

Por Tribuna Online