Parque eólico offshore (Foto: Enrique/ELG21/Pixabay)

Independentemente de como a regulamentação seguirá, é imperativo o estabelecimento de uma regulamentação plena e eficaz, analisam Paloma Amorim e Thiago Silva

O desenvolvimento do setor eólico offshore no Brasil requer a consolidação de um arcabouço legal e regulatório robusto. Embora exista um arcabouço aprovado desde 2022 (Decreto 10.946/2022), diversas ações regulatórias pendentes permanecem indefinidas.

Projetos de lei estão em discussão no Poder Legislativo desde 2018, com progresso significativo alcançado em novembro de 2023 devido à aprovação do Projeto de Lei 11.247/2018 na Câmara dos Deputados – agora renumerado para Projeto de Lei 5.932/2023 no Senado.

Independentemente de como a regulamentação seguirá, é imperativo o estabelecimento de um arcabouço eficaz e plenamente regulamentado – o que hoje não temos – seja através do avanço da regulamentação pendente para o Decreto 10.946/2022 ou pela aprovação do PL 5.932/2023 e a promulgação de sua regulamentação subsequente.

Um breve histórico sobre o PL 5.932

Vários Projetos de Lei relacionados à energia eólica offshore estavam em discussão no Congresso Nacional brasileiro. Em 2023, todos os outros projetos em discussão, incluindo o PL 576/2021 – então tido como o mais avançado – foram consolidados no PL 11.247/2018. Em 28 de novembro de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou uma substituição para o PL 11.247/2018, que foi submetido ao Senado, sendo renumerado para PL 5.932/2023.

O conteúdo relacionado a eólicas offshore do PL 5923/2023 adota diversos dos fatores recomendados pelo relatório Key Factors for Successful Development of Offshore Wind in Emerging Markets, produzido pelo Banco Mundial, o que é bastante satisfatório. Porém, permanece incerto se o PL 5.932/2023 receberá aprovação do Senado.

Isto porque, a aparente pacificação do tema no Congresso parece ter sido gerada mais em razão das emendas aprovadas, que atendem demandas concentradas em questões não relacionadas ao arcabouço de energia eólica offshore, do que na própria adequação e robustez do texto legal necessário para viabilizar o aproveitamento do potencial energético da indústria eólica offshore. Tal fato gerou críticas e a potencial necessidade de revisão do texto pelo Senado.

Sob a perspectiva tributária, apesar de ainda não existir indicação sobre quais incentivos fiscais, se existentes, se aplicarão ao novo segmento – com o objetivo de reduzir o custo a ser incorrido e, assim, viabilizar a implementação de novos projetos – inusitadamente, foram previstas certas condições tarifárias favoráveis aos empreendimentos de geração hidrelétricos e termelétricos.

Esse favorecimento gerou severas críticas ao PL, pois tais iniciativas não têm qualquer relação com o segmento de eólicas offshore – pelo contrário, garantem maior competitividade à outras fontes de geração, o que possivelmente diminuirá a competitividade da energia limpa gerada a partir dos parques eólicos offshore – além de não guardarem sinergia com o planejamento energético idealizado pela agenda verde do Governo Federal.

Além da disparidade exposta acima, as centrais de geração de energia offshore impõem responsabilidades e custos adicionais se comparados com projetos onshore, o que é outro fator que dificulta a implementação de tais projetos.

Lembramos que, seja no onshore quanto no offshore, os empreendedores por trás de projetos de geração de energia ficam responsáveis por: (i) instalações de conexão ao SIN (Sistema Interligado Nacional), incluídos as ampliações e os reforços na rede básica; (ii) procedimento para integração ao SIN dos empreendimentos de aproveitamento de potencial energético sob outorga; e (iii) custos de interligação, bem como das ampliações e reforços necessários ao escoamento da energia. Quando tratamos dos projetos offshore, o custo para cumprir tais responsabilidades é ainda maior.

Comparativo

Para fins de referência, comparamos o Decreto 10.946/2022 em vigor e o PL 5.932/2023:

  • Ambos os atos normativos incluem disposições sobre a obrigação de descomissionamento.
  • Ao contrário do Decreto, o PL 5.932/2023 estabelece Autorizações e Concessões como regimes de concessão, enquanto o Decreto estabelece apenas Contratos de Atribuição de Uso.
  • Ambos exigem que o agente obtenha a Autorização de Geração para geração de energia, posteriormente solicitada à Aneel.
  • O PL 5.932/2023 permite a instalação de parques eólicos em águas interiores, diferentemente do Decreto, que se concentra em águas marítimas.
  • Ambos têm disposições estabelecendo regras para os requisitos de qualificação técnica, econômico-financeira dos licitantes e possíveis qualificações legais.
  • Ambos proíbem a instalação em áreas que se sobrepõem a blocos alocados sob frameworks de exploração e produção de petróleo e gás.
  • As Participações Governamentais são definidas em ambos, com o Decreto visando o “Maior Retorno Econômico” e o Projeto especificando componentes.
Comparativo do Decreto em vigo 10.946/2022 e do PL 5.932/2023 (Fonte: elaboração própria)
Comparativo do Decreto em vigo 10.946/2022 e do PL 5.932/2023 (Fonte: elaboração própria)

Tópicos pendentes

Independentemente da forma como a regulamentação da energia eólica offshore avançará, as questões ainda em discussão são:

  1. Regime de Outorga: O arcabouço atual (Decreto 10.946/2022) envolve um regime de concessão dual: Contrato de Cessão de Uso para outorga do direito de uso do espaço marítimo e uma Autorização da Aneel para geração de energia. O PL 5.932/2023 prescreve tanto Autorizações quanto Concessões para o uso da área. Ambos os formatos funcionam em nossa opinião. O fator mais importante é que as outorgas sejam concedidas mediante prévia licitação, com critérios objetivos estabelecidos, para garantir segurança jurídica.
  2. Critérios de Licitação: Os critérios de licitação devem ser estabelecidos no arcabouço legal, oferecendo flexibilidade para se adaptar aos avanços do setor. O PL 5.932/2023 prevê detalhamento dos critérios de licitação nos documentos de licitação, permitindo adaptações necessárias conforme o desenvolvimento da indústria. Recomenda-se que critérios qualitativos sejam considerados com processos competitivos baseados em preço.
  3. Incentivos: Benefícios fiscais aplicáveis a outras indústrias podem ser replicados para o setor de energia eólica offshore. A advocacia entre os políticos e a pesquisa por organizações são recomendadas para o estabelecimento de benefícios fiscais.
  4. Exploração Coordenada: Prevenir a exploração excessiva de recursos requer regras específicas, para evitar o fenômeno wind wake interference. O MME deve desempenhar um papel proativo na identificação das áreas mais concentradas, para que os leilões dessas áreas sejam coordenados.
  5. Participações Governamentais: Todos os arcabouços propõem participações governamentais específicas, a serem detalhadas no edital. Estabelecer legalmente limites máximos das participações ou valores fixos é recomendado. O arcabouço regulatório deve conceder autoridade discricionária para ajustar a participação governamental aplicável para cada licitação, conforme proposto no PL 5.932/2023. A decisão final sobre as participações governamentais aplicadas deve ser reservada para os documentos de licitação.

Próximos passos

Quanto a próximos passos, uma solução para as críticas seria a revisão do PL 5.932/2023 para remover as questões relacionadas a outros temas que não o marco das eólicas offshore. Uma pergunta que é feita recorrentemente é se precisamos desenvolver esta indústria. Energia elétrica é, ainda, uma commodity local e difícil de ser exportada. Porém, há diversos argumentos a favor do desenvolvimento do setor:

  1. Utilização do potencial eólico existente: o Brasil tem um significativo potencial energético no setor eólico offshore, que, caso não seja utilizado, seria um “desperdício” de energia renovável.
  2. Menos Impacto Visual e Sonoro: diferente de outros países, o Brasil não enfrenta ainda o desafio do not in my backyard, relacionada a eólicas onshorePorém, isso pode mudar no futuro.
  3. Criação de Empregos e Estímulo Econômico: Gera empregos locais e estimula a economia nas áreas costeiras.
  4. Segurança Energética, por diversificar ainda mais a matriz energética.
  5. Inovação Tecnológica, por estimular o desenvolvimento de novas tecnologias e práticas de engenharia.

Nosso entendimento é que, no apagar das luzes, o próprio mercado decide se determinado setor merece investimento ou não. Não obstante, para que possamos receber essa resposta, precisamos alcançar um ambiente regulatório seguro e um ambiente tributário que fomente o desenvolvimento do setor, ao invés de servir como barreira à monetização do referido potencial energético. Porém, hoje temos um mercado aquecido e interessado em investir, mas impedido por falta de regulação. Isso merece ser resolvido rápido.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Por EPBR