A chamada terapia gamificada tem sido cada vez mais utilizada por terapeutas para motivar e sociabilizar pacientes com diferentes tipos de transtornos.

Theo, de 10 anos, foi diagnosticado aos sete com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) misto, que envolve desatenção e hiperatividade. Além das sessões individuais de terapia, ele participa de um grupo mediado por psicólogos, no qual elementos do RPG (Role-playing game), um tipo de jogo em que os jogadores assumem papéis de personagens e criam narrativas colaborativamente, são utilizados para desenvolver habilidades socioemocionais em crianças e adolescentes.

De acordo com o psicólogo Germano Henning, mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), o uso do jogo pode ajudar a desenvolver outras habilidades como, por exemplo, melhorar as funções executivas, o que é um déficit presente no TDAH, ou melhorar a adesão às práticas esportivas, que é um importante passo para tratamento da ansiedade, entre outros. “Mas sempre deixamos claro que o RPG é usado primariamente no treino das habilidades sociais, podendo auxiliar no tratamento de outros quadros clínicos”, destacou Henning.

As sessões contam com três ou, no máximo, seis participantes. “Os grupos são formados a partir de perfil psicológico, como diagnóstico, idade e interesses em comum. Sempre respeitamos as dificuldades e a individualidade de cada participante. Utilizamos o RPG para motivar os pacientes no desenvolvimento das suas habilidades sociais”, complementou o psicólogo. 

As sessões são planejadas previamente para cada participante, com o objetivo de intervir individualmente nas habilidades sociais de cada um. Desta forma, os comportamentos-alvo podem ser os não-verbais, como o contato visual, ou verbais, como ser empático com o colega de jogo quando ele é prejudicado na sessão, por exemplo. Ele explica que o setting tradicional é uma mesa, onde os participantes se sentam em volta, sendo que uma dessas pessoas tem a função de mestre (narrador da história) e os outros, como jogadores.

“Cada jogador cria um personagem único e a evolução do personagem acontece de acordo com o decorrer das aventuras, dependendo das ações do personagem. Geralmente, as jornadas duram meses ou anos, o que torna aquela vivência imersiva e intensa”, explicou o psicólogo, um dos sócios do Grupo D20 – Desenvolvimento em Habilidade Social, que Theo participa.

Para a psicoterapia, ocorrem algumas importantes adaptações no jogo: em todos os grupos, há dois terapeutas – um terapeuta-mestre, responsável pela narrativa, e o coterapeuta, responsável em dar atenção geral aos participantes durante a sessão. 

Para o médico psiquiatra e psicoterapeuta Gabriel Okuda, que atua nos hospitais Israelita Albert Einstein, no Alemão Oswaldo Cruz e no São Camilo, o crescimento do uso da gamificação nas terapias ao longo dos últimos anos tende a ser um fator positivo dentro das terapias em grupo. Contudo, dado o ainda limitado número de estudos sobre o tema, vivências como essa podem não ser ideais para, por exemplo, pacientes psicóticos, os quais costumam apresentar alucinações e já vivem entre a realidade e a fantasia.

“O uso desse recurso deve ser sempre bem avaliado e direcionado, dependendo de cada transtorno. De uma maneira geral, acredito que com uma mediação adequada de psicólogos treinados, essa experiência tende a ser positiva, com melhores resultados para a grande maioria dos pacientes com dificuldades em habilidades socioemocionais. Isso porque ela favorece algumas perspectivas de relações em grupo, como o desenvolvimento da empatia, da criatividade, da liderança e da socialização”, ressaltou Okuda.

Outro ponto importante, segundo o especialista, é que a gamificação através do RPG pode capacitar o indivíduo com dificuldades no enfrentamento em certos tipos de problemas, como frustrações.  “Pessoas com temperamentos mais ansiosos ou depressivos podem aprender a ser os personagens mais ativos da sua própria história após essa experiência”, concluiu o psiquiatra. 

O pai de Theo, Adriano Rodrigues dos Santos, 47 anos, já observa mudanças no comportamento do filho. Ele relata que, dentro da programação da terapia em grupo, há uma atividade chamada “rolê PG”: “os terapeutas levam as crianças, com a autorização dos pais, para algumas atividades externas e observam o comportamento delas. Ao final da atividade, eles enviam um relatório descrevendo como foi a participação de cada um de forma individualizada”, diz o pai, que está cursando psicologia e pretende mudar de profissão para investir em terapias em grupo.

“A gamificação no processo de criação de vínculos é muito fascinante. As habilidades sociais têm sido um tema cada vez mais abordado na psicologia, principalmente, por conta do excesso de celular desta geração, problemas de autoestima e de relacionamento”, complementa Santos. 

Por: Úrsula Neves, da Agência Einstein 

Fonte: Agência Einstein