Dependências afetivas e ópios afetivos

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Ao longo da vida passamos por vários momentos que construíram em nós determinados modos de sentir. Vamos construindo, mesmo de forma inconsciente, várias arquiteturas afetivas. Assim, as crianças vão, de pouco a pouco, sendo modeladas para sentir a vida de determinadas maneiras a partir dos vínculos que as afetam. Spinoza, filósofo do século XVII, nos dirá que um indivíduo [uma criança, um jovem, um adulto, ou mesmo um outro ser da natureza] será compreendido por seu poder de afetar e de ser afetado. Daí um indivíduo, por um lado, é um grau de potência [seus modos de ser afetivos, ou seja, como se afeta e afeta o mundo e suas relações]. Por outro lado, um indivíduo é uma singularidade, isto é, sendo constituído por inúmeras partes [seus órgãos, pensamentos, emoções etc.] que se combinam de determinadas maneiras para ganhar a sua forma singular, não existindo uma outra igual no mundo nos seus modos de ser.

Esta pequenina introdução nos encaminha ao tema de hoje: os ópios afetivos e relacionais! Ao longo da vida poderemos viver determinados modos de ser que não mudam. Estes determinados modos de ser fazem parte daquilo que chamamos como as nossas arquiteturas afetivas [nossos modos de afetarmos e de nos afetarmos pelas situações da vida]. Muitos modos de ser podem ser negados em nós. Por vezes, não desejamos olhar para aquilo que é parte de nós. Muitas vezes, apontamos o nosso olhar para os outros e nos ocupamos em falar tantas coisas sobre eles. No entanto, este modo de ser nos diz sobre nós mesmos: olhamos nos outros aquilo que pode fazer parte de nós. Em outros termos, o nosso grau de potência [nosso poder de afetar e de ser afetado em uma dada situação] deseja ver nos outros aquilo que não desejamos ver em nós! Esta seria uma forma de desejo reativo, ou uma força reativa [conforme Nietzsche] que mais nos desvitaliza e menos produz a exuberância da vida na relação com os outros e o mundo.

O risco é de vivermos uma vida inteira movidos por arquiteturas afetivas que mais nos enganam do que nos fazem exercer a humanidade sensível e empática em relação a nós mesmos e aos outros. Podemos criar estratégias de prazer, acreditando que estamos construindo a nossa alegria e nossa liberdade, mas, no fundo, estamos construindo uma prisão, a nossa servidão [conforme Spinoza]. Vemos tantas pessoas hiper-conectadas em celulares e seus incríveis aplicativos. Vemos tantas pessoas construindo projetos de vida que só dizem respeito aos projetos econômicos, conquistando patrimônios, carros de luxo etc. Vemos tantas pessoas acreditando que a liberdade está numa vida após a vida, deixando de viver o grande ensinamento de Cristo que é a experiência no gesto de desejar aos outros aquilo que desejamos para nós mesmos. Vemos tantas pessoas se enganando através da vaidade, do orgulho, da ganância, do prazer em ver a tristeza ou algum infortúnio na vida de uma outra pessoa que não lhe agrada [ou mesmo na inveja daqueles que diz amar]… Estas arquiteturas afetivas são como o ópio de cada dia. Ele é tomado a cada gesto de inveja, de rancor, de orgulho, de desejo de poder, do sentimento de superioridade, no prazer em conquistar determinadas coisas que, depois de conquistadas, não possuem mais nenhum valor.

Reflexão: quais são os ópios afetivos e relacionais que utilizamos como forma de nos enganar e, por sua vez, para não olharmos o que precisa ser mudado em nós?
Afete os outros como você gostaria de ser afetado.