A palavra das últimas semanas foi violência. Os jornais estão noticiando agressões por todo o Brasil. Nas redes sociais, vídeos estão sendo divulgados registrando discussões, brigas, espancamentos e mortes. O país que sempre se vangloriou de sua cordialidade, diversidade, alegria e amor, tornou-se o país do ódio e da violência.
De que lado o ódio está? Da esquerda ou da direita? Exclusivamente, de nenhum dos dois. O ódio está do lado do totalitarismo. Infelizmente, a motivação da facada que fez de vítima Jair Bolsonaro foi a mesma motivação que matou um mestre de capoeira, em Salvador.
O ódio, nesses últimos anos, tem sido gestado na alma do brasileiro, sendo alimentado pela angústia de um país cindido, de direitos perdidos, de educação e saúde precárias, de corrupção generalizada e de uma mídia que mais confunde do que informa. Tudo isso gerou, sem dúvidas, uma crise plural: social, política, mental, ambiental, etc.. Crise essa que é muito similar ao período alemão que precedeu o Nazismo. Na História, vimos que o ódio, seja de qualquer povo, quando gestado, tem que escapar de alguma forma. E, na maioria das vezes, os povos elegem a forma mais primitiva e sombria para esse escape: a violência.
Hannah Arendt, grande estudiosa do totalitarismo, aponta que o embrião desse movimento é o isolamento dos indivíduos, ou seja, deixar todos contra todos – de fato, cindir a população. E então, fazer o povo crer em uma bipolaridade do que é verdadeiro e do que é falso. Do que é real e do que é irreal. De quem é o herói e de quem é o inimigo. Essa dinâmica, muito recorrente em nossos antepassados, não é algo difícil de ser aderida pela população, pois ela é simples, não é preciso pensar muito, nem estudar, nem se aprofundar. É algo dado. E parece ser mais atual do que nunca em nosso país.
No Brasil, existe a dinâmica “pai-herói contra o mal”. Somos um país que possui a alma do órfão ferido. Não temos um fundador ou herói da nação na História, tentaram enxergar o pai-herói em Tiradentes, em Vargas, nos militares, em Collor, em Lula, em Moro (pediram até que ele se candidatasse) e, agora, em Jair Bolsonaro. Curiosamente, não é à toa o número de filhos que não tem o nome do pai em suas certidões de nascimento.
Nessa polarização, considerar um como pai-herói é imputar no outro todo o mal existente. Essa é a dinâmica do bode expiatório, estudada por Rene Girard, cuja finalidade é a contenção das tensões sociais pelo derramamento de sangue, pela violência. Portanto, é necessário ponderar a exaltação de um ou outro candidato, principalmente quando ele promete resolver os problemas de forma rápida e prática.
Nossa recente pesquisa sobre contágio psíquico demonstra que uma parte da comunicação humana não se dá somente pela linguagem, mas também pelas emoções, sejam benéficas ou maléficas. E, assim como a comunicação, o contágio psíquico é um dos formadores dos pensamentos e julgamentos de uma sociedade. O ódio é uma emoção, portanto, é contagioso. Ele não passa pelo crivo da racionalidade, ele está aquém dela. Ele é irracional e inconsciente, e isso dá as bases para o isolamento e para a bipolaridade vividos hoje. De certa forma, o ódio está na alma.
Apesar de termos percebido agora, é responsabilidade nossa tudo o que está sendo gestado em nossas almas, consciente ou inconscientemente. Resta-nos escolher se vamos ou não nos contagiar por essas emoções.
* Leonardo Torres, 28 anos, doutorando e mestre em Comunicação e Cultura Midiática, palestrante e professor universitário.