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Fábio Motta/Estadão

No âmbito da Operação Lava Jato e seus desdobramentos, muitas ações criminais são movidas pelo Ministério Público tendo como base o tráfico de influência de autoridades em benefício próprio, de grupos ou partidos. Trata-se, de fato, de uma prática a ser combatida, por meio de rigorosa investigação e sanção legal dos envolvidos, se comprovados o dolo e o ônus ao erário.

No entanto, o tema merece profunda reflexão, sendo necessária detida análise sobre as diversas facetas da “influência ” e os limites nos quais ela se configura como crime ou simplesmente uma prática comum, também a ser debatida e questionada, no universo do setor público, na interação entre os Três Poderes e destes com a iniciativa privada e os múltiplos segmentos da sociedade. Lobby é influência? Sim! É crime? Sim, se houver propina ou quaisquer ganhos materiais ilícitos. É ético? Nem sempre!

Ao debater a questão no evento Desburocratização do Poder Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dia 28 de novembro, em Brasília, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, manifestou-se contrário à regulamentação do lobby, entendendo que “só vai criar mais burocracia e excluir aqueles mais pobres do acesso ao Estado e aos serviços públicos. O Estado tem de interagir com a sociedade de maneira direta e transparente”.

Contudo, a ausência de regras e parâmetros claros para a prática de lobby e/ou uso da “influência” vêm deixando o País em situações no mínimo delicadas. A experiência mostra que, na prática, a interação direta entre Estado e Sociedade torna-se ambígua e abre espaço para questionamentos.

Nesse contexto, há outra questão, esta mais recente e de grande impacto na mídia, nas redes sociais e na opinião pública: as gestões e negociações relativas à aprovação do reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no Congresso Nacional e à sanção do presidente da República podem ser caracterizadas como “influência”? Se foram, poderiam ser investigadas no contexto de um inquérito policial, à medida que os ônus para os cofres públicos serão imensos, considerando o efeito em cascata em toda a administração, pois os vencimentos da Corte são referências salariais? Foram éticas, levando-se em conta, principalmente, a grave crise fiscal do Estado?

Outro exemplo de “influência”, este recorrente no Brasil, refere-se às negociações entre Poder Executivo e o Legislativo, voltadas a garantir que o primeiro tenha maioria no Parlamento (isso ocorre nos municípios, nos estados e na União). Tal modelo, em nome da governabilidade, há muito tempo vem campeando à solta e sem pudor na troca de apoio político por cargos em todos os escalões do governo. Em termos práticos, não há muita diferença entre o tráfico de influência tipificado juridicamente como doloso, o hábito fisiologista e o “toma lá dá cá”, que geram elevadas despesas, incham o Estado com cargos em comissão e reduzem drasticamente a sua produtividade, em prejuízo da população.

Discutir essas questões de modo aprofundado, sereno e isento seria muito pertinente para os objetivos de combate à corrução e o dimensionamento mais preciso do que é ou não crime e/ou antiético. Afinal, “influência” é uma palavra de múltiplas variações semânticas no Brasil. Será impossível o aperfeiçoamento do Estado e a depuração moral da política sem um amplo debate da questão pela sociedade, a mídia e as instituições.

Infelizmente, porém, tem sido muito difícil o estabelecimento de um diálogo civilizado no País, a começar pela imprensa, que, resguardadas honrosas exceções, elegeu bandeiras, nomes e legendas e entrou no jogo exaltado dos políticos, partidos, seus correligionários e eleitores. Há uma disputa retórica compulsiva e sem regras, travada nas redes sociais, nos ambientes profissionais e nas famílias. Independentemente das causas, o adversário é sempre sumariamente culpado, mesmo que a denúncia seja infundada ou fake.

O Brasil perdeu a razão! Em decorrência, reduziu muito sua capacidade analítica, crítica e os espaços de diálogo. Daí a dificuldade de se conceituar de modo adequado e isento, o certo e o errado, o crime e a inocência, o ético e o antiético. Vivenciamos a “República do Maniqueísmo”, onde o bom sou sempre “eu” e o mau é sempre o “outro”, não importando se ambos estejam errados. Perde o país, perde a sociedade!

* Ana Paula Caodaglio é sócia-titular da Caodaglio & Reis Advogados Associados.