Os dicionários da Língua Portuguesa são unânimes ao afirmar que Política é a ciência de governar os povos. Lamentavelmente, uma onda de moralismo hipócrita de alguns religiosos vem tentando substituir o radical polis – que significa cidade – por família. Por um lado, ignora-se a questão das políticas públicas em geral (saneamento, saúde, educação formal, cultura, ambiente, assistência social…) e, por outro, abre-se um leque de assuntos que dizem respeito ao âmbito familiar, como se o único critério para eleição de um candidato fosse a não destruição dos valores morais e espirituais da família. Política NÃO É A CIÊNCIA DE GOVERNAR FAMÍLIAS. Um candidato deve ser escolhido segundo as propostas para moradia, políticas sociais, saúde, cultura, educação, transporte, observando-se os princípios da moralidade pública.

Alguns segmentos religiosos deveriam ler o Evangelho (Mateus, capítulo 25) e ver que as preocupações centrais de Jesus estão focadas na fome, sede, doença… ou seja, questões sociais que devemos abraçar para sermos chamados de “benditos do meu Pai”. É preocupante observar líderes que se dizem religiosos determinando o voto dos seus congregados, numa verdadeira lavagem cerebral que afasta qualquer possibilidade de uma reflexão mais madura sobre o momento político-eleitoral que o Brasil vive: não defendem candidatos que têm propostas sensatas e concretas para a desigualdade social, a corrupção e o desemprego. Defendem candidatos que enaltecem a tortura, a pena de morte, querem armar a população, perseguir pobres, negros, mulheres, trabalhadores, homossexuais… em nome de uma falsa defesa da família.

Afirmam que a escola está pervertendo os alunos, sem saber que um dos grandes problemas da educação é que os pais abandonam, literalmente, seus filhos nas escolas sem dar nenhum apoio ao professor que vive se desdobrando, para corrigir as mazelas do esfacelamento familiar, das influências negativas das novelas da Globo e do mau uso da internet. Debatendo alguns pontos levantados no panfleto de um candidato “religioso” quero afirmar que : 1) quem “inventou” a separação dos casais não foi o professor; 2) a maior parte dos casos de pedofilia acontece no ambiente familiar e não na escola; 3) o chamado kit gay nunca existiu como parte do currículo escolar, nem como programa do livro didático, pois o professor tem a responsabilidade intelectual e ética de tratar as questões do corpo humano como ciência. Não coloquem nas costas do professor as responsabilidades da Igreja e da família.

Àqueles que alimentam paranoias em nome da fé fica um apelo: assumam a realidade atual que está em mudança e aponta para a diversidade e não para uniformidade. O Estado é laico, isso significa liberdade religiosa, liberdade de pensamento, de expressão e de ação dentro dos limites constitucionais. Foi com esse comportamento obtuso, autoritário e irracional que as bases do fascismo se consolidaram em outros momentos da história. E foi por causa de comportamentos que colocam o ódio, a perseguição e a discriminação acima do amor que Jesus se dirigia aos fariseus chamando-os de hipócritas, sepulcros caiados e raça de víboras.

* Ivania Ribeiro – Professora universitária