Para a especialista em Direito Constitucional, todas as concessões que tenham sido transferidas terão que ser refeitas; áreas de energia, saneamento básico, rodovias e transporte público podem ser afetadas

No último dia 10 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Procuradoria Geral da República. A ADI 2946/2003 contesta o artigo 27 da Lei 8.987/95, que regulamenta a transferência de concessões ou do seu controle societário.

Dezoito anos após sua proposição, em julho de 2003, o voto do relator, Dias Toffoli, pela inconstitucionalidade, trouxe muita preocupação para o setor de infraestrutura, o que mais teve concessões nos últimos anos.

Para Marilene Matos, professora e advogada especialista em Direito Administrativo e Constitucional, o entendimento do relator está correto. “A partir do pressuposto de que uma empresa foi vencedora de um processo licitatório, ela não pode simplesmente transferir a concessão para outra, que não participou da licitação, a partir da mera autorização do poder concedente”.

Ela destaca que é justamente isso que o dispositivo impugnado autoriza, a partir de uma interpretação contrária da redação do artigo 27: a transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.

Matos explica que, na decisão, o Ministro Toffoli considerou a existência de duas situações distintas. A transferência da concessão e a transferência do controle societário. “Quando se transfere a concessão com a substituição da pessoa jurídica, fica caracterizada a burla à Constituição. Já a transferência de controle societário, sem a mudança de pessoa jurídica, tal possibilidade não é inconstitucional”, disse a advogada.

As privatizações de serviços e empresas públicas no Brasil começaram em 1990 com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), que depois foi replicado nos estados. A partir de então, foram centenas de processos licitatórios que podem estar à margem da Constituição, caso o voto do relator seja acompanhado pela maioria. Um exemplo recente seria a venda da Linha 6 – Laranja, do Metrô de São Paulo, que foi transferida da Move São Paulo para a Acciona. Porém, também há risco para outros segmentos, como energia, saneamento básico e rodovias.

Nessa situação, Marilene Matos esclarece que a Lei que regula as Ações de Inconstitucionalidade permite a modulação de seus efeitos. “Dessa forma, tendo em conta a necessidade de garantir a segurança jurídica, bem como a continuidade do serviço público, o Ministro propõe que seja dado o prazo máximo de dois anos, contados a partir da data do julgamento, para que se realizem novas licitações de todas as concessões que tenham sido transferidas”, conclui a advogada.

Sobre a Fonte:

Marilene Matos é professora Universitária, palestrante e advogada atuante em Direito Administrativo e Constitucional. Autora de livros jurídicos, Mestre em Direito Público e presidente da Comissão Nacional de Direito Administrativo da Associação Brasileira de Advogados (ABA).