OPINIÃO

Eu não quero ser chato, reclamando de tudo, mas tem coisas que, por serem inexplicáveis ou injustificáveis, me deixam angustiado e me obrigam a falar sobre elas. Por exemplo, eu não sei se foi algum dos inúmeros “influencers” que assolam o Brasil e que têm milhares de “seguidores”, não sei se foi um vidente ou, talvez, um analista político formador de opinião. O que sei é que alguém andou especulando que Nicolas Maduro poderia perder a eleição presidencial na Venezuela. E isso bastou para que o Brasil inteiro cobrisse os olhos e tapasse os ouvidos para a realidade, ignorando uma verdade conhecida por todos que se permitem pensar.Será que alguém fora da direção nacional do PT duvida que a Venezuela há anos vive sob uma ditadura e que Maduro é o ditador? Será que existe alguém duvidando de que aquele regime e seu caudilho são apoiados e sustentados pelas forças militares venezuelanas? Não, certamente ninguém razoavelmente lúcido tem essas dúvidas. Portanto, só muita cegueira ou ingenuidade para acreditar na possibilidade de um ditador – qualquer ditador – perder uma eleição. Ditador que se preza só permite eleições quando está seguro da vitória, e mesmo assim apenas para fingir ser democrata, e evitar possíveis sanções econômicas de outros países. Se não agir assim não é um ditador. Não é nenhum rasgo de inteligência, e sim de uma obviedade cristalina, a afirmação de que nenhum ditador entrega o poder através de eleições. Eles só deixam o poder quando são degredados, presos ou mortos, por interferência de militares ou por movimentos populares.Por tudo isso, até hoje não consegui entender a enorme surpresa externada pela nossa mídia, influenciando toda a população, quando a justiça (?) eleitoral venezuelana proclamou o ditador Nicolas Maduro como vencedor da recente eleição (?) presidencial. Era mais do que previsto! Era o único resultado possível! Análises, interpretações e debates sobre a validade do pleito somente fariam sentido se Maduro tivesse sido declarado perdedor naquela eleição. Se tal acontecesse, aí sim, precisaríamos de analistas e cientistas políticos capazes de fazer um duplo twist carpado para explicar como um ditador, tendo o controle da justiça e das forças armadas, teria aceitado fazer uma eleição honesta correndo o risco de ser derrotado. Pois bem, a nossa imprensa está há muitos dias exigindo que a justiça eleitoral venezuelana apresente provas da lisura do processo eleitoral.E essa exigência é uma farsa. Por que é farsa? Porque é óbvio que essas provas inexistem, e se forem apresentadas não terão a menor credibilidade, considerando que todo o processo eleitoral foi fraudulento. E todos sabem disso! Por que, então, a surpresa? Mesmo assim, os nossos meios de comunicação continuam a pautar e discutir a possibilidade de Maduro admitir que perdeu a eleição. Por que os nossos brilhantes cientistas políticos ainda alimentam a possibilidade de Maduro docilmente entregar o poder ao candidato de Maria Corina Machado, sua verdadeira adversária, mesmo sabendo que isso jamais ocorrerá? E, diariamente, a maioria dos nossos comentaristas políticos concluem suas análises afirmando que se tal não acontecer ficará provado que Maduro é – pasmem! – um ditador.Vamos fazer um contraponto e imaginar que se comprove que a eleição foi corretamente conduzida. Pensemos na possibilidade absurda de comprovarem que Maduro ganhou a eleição honestamente. Será que alguém acredita que, por isso, ele abandonaria o seu autoritarismo ditatorial e se transformaria em um presidente respeitador das instituições democráticas, civis e militares da Venezuela? A resposta, mais uma vez, é um sonoro não.Por que esse fortalecimento da bonita e altruística preocupação com o povo venezuelano somente agora, quando se sabe que o regime ditatorial naquele país vem desde Hugo Chávez?

Por que então a insistência midiática na lisura ou não desta eleição presidencial quando já ocorreram várias outras, com o mesmo grau de fraudulência, que não despertaram tanta comoção? Será possível acreditar que tal comportamento está sendo balizado apenas pelo desejo de restaurar a democracia naquele país? Talvez sim, mas não estou convencido que seja somente isso. Seria simplório demais para explicar esse comportamento tão irracional e singular diante de assunto tão grave.Por saber que não terei respostas a essas perguntas, tentei esquecê-las e passei procurar algo positivo nos comentários que vi e ouvi, além dos artigos e reportagens que li sobre o assunto. Acho que achei, apesar do meu amigo do chope semanal, o Caladinho, achar que é utópico. Concordo com ele, mas vejo a utopia como um bom estímulo para buscarmos a concretização dos nossos sonhos. E a vida sem sonhos torna-se amorfa. Isso, aliado a uma necessária dose de otimismo, me faz acreditar que o repúdio ao Maduro, se bem explorado pelos nossos líderes políticos mais lúcidos (sim, ainda existem alguns), pode vir a ser o desejado ponto de partida para uma educada união política entre a direita e a esquerda brasileira.Notem que escrevi direita e esquerda, o que não abrange o radicalismo irracional da extrema direita ou extrema esquerda. Essas duas facções atuam com fanatismo e isso é uma espécie de transtorno mental incurável. Portanto, melhor esquecê-los e torcer para que o desprezo unânime dos brasileiros ao Maduro seja o catalizador de um pacto nacional, possibilitando iniciar um processo salutar para extinguir a nefasta polarização política que assola o nosso país.

Por: Alfeu ValençaEx-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET Consultoria e Engenharia de Petróleo.Alfeu assina a coluna no site https://temporealrj.com/alfeu/