OPINIÃO

Analisando a transição energética que objetiva a substituir os combustíveis fósseis por fontes de energia não poluentes, e verificando o açodamento com que alguns atores do processo estimam prazos para sua execução, lembrei-me de William Shakespeare.

Com efeito, em sua tragicomédia “O Mercador de Veneza”, ele escreveu que “se fazer fosse tão fácil quanto saber o que seria bom fazer, as capelas seriam igrejas e as choupanas dos pobres, palácios de príncipes”.

Apesar da lógica insofismável, aquele pensamento ainda hoje é contestado por pessoas excessivamente ansiosas que se perguntam: se todos querem a transição, por que não a implementar com maior rapidez?

Alguns não entendem por desconhecimento técnico, e outros, motivados por interesses pessoais, fingem não saber que o nome transição está sendo corretamente usado, por referir-se a uma travessia, um processo, e como tal sem fugacidade ou imediatismo. Apesar da unanimidade mundial pela sua consecução, a transição energética levará o tempo que for necessário, e não o que desejarmos. Ainda existem dificuldades que levarão tempo para serem superadas, necessitando ajuda de tecnologia, de recursos financeiros e de habilidades políticas.

Daniel Yergen, mundialmente reconhecido como um dos maiores especialistas em energia, em recente entrevista ao NZZ, conceituado jornal suíço, deu voz e credibilidade aos que concordam com o “Bardo de Avon”.

Ele mostrou que ao olharmos para a história das transições energéticas, veremos que todas duraram mais de um século. E lembrou que elas foram para acréscimos de energia, e não substituição, como se deseja agora. O petróleo ultrapassou o carvão como a fonte de energia número um do mundo na década de 1960. Mas o carvão não desapareceu. Basta saber que, no ano passado, o mundo utilizou mais carvão do que nunca: cerca de três vezes mais do que na década de 1960. Tem sido comum ouvirmos pseudo especialistas dizerem que as energias renováveis substituirão totalmente o petróleo, o gás e o carvão em menos de uma década, no máximo duas. Não acreditem!

É notório que a Terra precisa da redução das emissões, e desconheço alguém que não concorde com isso. Outrossim, temos que estar conscientes que o nosso planeta é macroeconomicamente muito desigual e as necessidades, e prioridades, dos países mais pobres são muito diferentes daqueles desenvolvidos. Por isso, Yergin ressalta que a ênfase na redução das emissões precisa ser cuidadosa e equilibrada com outras prioridades urgentes dos países do Terceiro Mundo, como saúde, educação e crescimento econômico.

Isso quer dizer que as energias renováveis não vão crescer rapidamente? Não, pelo contrário. Elas continuarão a crescer, até para atender o crescimento demográfico que prevê que poderão existir no mundo mais de 2 bilhões de novos viventes até 2050. Todavia, crescerão não com a velocidade que queremos, e sim com a rapidez que a tecnologia permitir, dentro dos recursos financeiros disponíveis, das rentabilidades dos projetos, e onde as condições físico-geográficas e políticas permitirem.

Se voltarmos nosso olhar para alguns anos atrás, veremos que os técnicos trabalhavam com projeções geométricas: desenhavam gráficos e extrapolavam linearmente as linhas até chegarem onde desejavam estar em 2050. Em vez disso, a realidade mostra que a transição energética é um processo que se desenvolverá em momentos diferentes, em ritmos diferentes, em regiões diferentes, atendendo a necessidades também diferentes. Nunca acontecerá de forma linear como acreditavam os burocratas que só pensavam no Primeiro Mundo.

Com essa percepção é que os grandes produtores de combustíveis fósseis não tiraram o pé do acelerador na pesquisa de novas jazidas e na produção de petróleo e gás. Eles sabem que as atuais reservas têm, anualmente, um declínio natural da ordem de 10%, e fariam falta antes de haver uma total disponibilidade para o abastecimento mundial com as fontes limpas de energia: eólica, hidráulica, solar e hidrogênio. E mais, além de se prevenirem para garantir abastecimento energético, é com a produção dos hidrocarbonetos que gerarão caixa para o desenvolvimento dos seus projetos de fontes alternativas.

Não custa lembrar que muita gente competente acredita que o crescimento da energia eólica e solar trará, por sua própria natureza, um problema de intermitência que, ainda por muito tempo, só será amenizado pelo uso de gás natural como complemento da matriz energética.

Havia uma aposta muito grande na substituição da frota mundial de veículos movidos a derivados de petróleo por outros acionados por eletricidade. Hoje, todavia, já surgem alguns problemas de obtenção de metais, como cobre e lítio, cuja existência se concentra em poucos países. E aí surge a pergunta: será que teremos um cartel, semelhante à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), dos países detentores das jazidas desses metais?

Vale chamar a atenção para que, há dois anos, as metas para produção de energia eólica no offshore dos Estados Unidos eram muito ambiciosas. Agora, por problemas ainda não totalmente esclarecidos, muitos daqueles projetos foram cancelados e outros estão sendo reanalisados ou modificados.

Em resumo, a transição energética é desejada, será benéfica para a civilização e vai acontecer, mas não na velocidade que algumas pessoas querem fazer crer, porque ainda existem muitos problemas técnicos, geopolíticos e financeiros ainda não resolvidos.

Até lá, melhor acreditar em Shakespeare.

Por: Alfeu Valença
Ex-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET Consultoria e Engenharia de Petróleo.
Alfeu assina a coluna no site https://temporealrj.com/alfeu/