Por Alfeu Valença
A costumeira afirmação de que nós só devemos nos arrepender daquilo que deixamos de fazer, é inteiramente aplicável à nossa demora em visitar Teresina.
Há tempos nós somos convidados, por amigos piauienses, a conhecer aquela capital e, com receio do calor que estigmatiza a cidade, procrastinamos a viagem um sem-número de vezes. Agora fomos, eu e minha mulher, e o arrependimento ocorreu. Deveríamos ter ido antes, porque poderíamos voltar mais vezes antes que os achaques da velhice, que se achegam galopantes, nos tirem a disposição para tal.
Encontramos uma cidade com bairros modernos e cosmopolitas, bem urbanizados, cortados por longas e largas avenidas com nunca menos de duas pistas em cada sentido, algumas com quatro e, pelo menos uma, com seis pistas, todas interligadas por ruas tranquilas (Será que lá tem mais avenidas do que ruas?).
Aquilo faz o trânsito fluir com enorme facilidade. Arborização exuberante. Os rios cercados por enormes bambuzais. Belos exemplares de mangueiras, cajueiros, acácias e os magníficos angicos brancos — uma das mais belas expressões nativas da flora do Piauí, segundo a também bela e amiga Larissa Maia — ao longo das avenidas e praças. Muitas e grandes praças, principalmente no centro, entre os rios Parnaíba e Poty (pronuncia-se Puty), onde a arquitetura do século passado se mantém preservada.
Aquele centro é merecedor da atenção até de turistas menos curiosos. Grandes e tradicionais colégios, ainda nos seus prédios originais, se aliam a outros mais modernos, garantindo uma educação já reconhecida em todos os grandes concursos nacionais, atraindo grande contingente de estudantes dos estados vizinhos, e de outros nem tão próximos assim.
Na mesma área encontramos o “Polo Saúde”, com hospitais, clínicas e laboratórios em número e qualidade que rivalizam com os colégios na atração de populações vizinhas. É bonito ver que, ao invés de reclamarem da divisão desses recursos com outros estados, os piauienses, com extrema generosidade, se orgulham e procuram ampliar as suas instalações médicas.
Ao lado disso, como deixar de curtir o mercado que abrigou os camelôs, tirados das ruas, ajudando a manter a cidade limpa, extremamente limpa. Aliás, a limpeza de toda a cidade, dos mais pobres aos mais ricos bairros, chama a atenção. Do mesmo modo, o respeito aos cadeirantes, com rampas de acesso por toda parte. O mercado fica junto a uma estação do metrô de superfície e, adotando a abordagem padrão dos vendedores locais, ficou conhecido como “Diga, meu bem”.
Próximo ao mercado “Diga, meu bem” encontramos a pitoresca feira do “Troca-troca”, onde tudo (entenda-se tudo mesmo!) pode ser trocado, desde que uma parte seja paga em dinheiro, como reza a regra não escrita naquele comércio. Ali, apreciar a teatralização de uma negociação é inolvidável: um oferece, outro finge de desentendido, o outro negaceia, desdenha, finge desinteresse, faz olhar de nem-estou-aí, até que o negócio é fechado com satisfação mútua.
Por causa do calor reinante, as cervejas mais geladas do mundo são servidas em Teresina, desde os sofisticados restaurantes do bairro Jóquei Clube até os botequins populares como o “Gelaguela” e o “Pés inchados” (todos ficam em pé). Nesses últimos, a frase “aqui a cerveja é mais gelada do que bunda de foca” é muito verdadeira.
Come-se muito bem em Teresina. Por não ter praia, as pessoas se encontram nos restaurantes e não no calçadão. Cidade caracterizada pelo setor terciário da economia, os restaurantes, lanchonetes, e sofisticados cafés fazem parte importante do convívio social. Das comidas típicas (capote, carne de sol, cabrito assado, panelada) até requintados bistrôs, há de tudo e em grande quantidade. E com preços extremamente honestos!
Ao lado disso, o comércio de rua, no centro, é complementado com a sofisticação de três shopping centers bem concorridos. O artesanato também é bem desenvolvido. Junto ao encontro das águas do rio Parnaíba com o Poty, ouve-se meninos falantes contarem a lenda do Cabeça de Cuia e compram-se originalíssimas bonecas de barro. Ali perto, os santos de madeira fazem a festa dos turistas, pelos preços e pelas qualidades das peças. Ainda recomendamos o ateliê de artes de Kalina Rameiro, misto de poetisa, pintora, artesã e joalheira, e dona de uma simpatia ímpar.
E Teresina, meus amigos, fica no Piauí, estado que começa a se desenvolver de maneira absolutamente irreversível. O turismo no litoral de Parnaíba, a energia elétrica de Tucuruí e Boa Esperança, as cada vez mais conhecidas ocorrências minerais, a soja se multiplicando no cerrado enorme e esquecido no passado, a existência de abundante reserva de água subterrânea, as comprovadas descobertas de gás natural, aliados a um sistema educacional comprovadamente de boa qualidade, fortalece a nossa visão desenvolvimentista para a região.
Por tudo isto, caros viajantes – turistas ou investidores -, não façam como nós. Vão logo pra lá!
E o calor? É quente, sim, mas muito menos pelas condições atmosféricas do que pelo calor humano que encontramos.
Ah, e na cotidiana comparação entre as cachaças locais, Lira e Mangueira, ambas servidas geladas como se vodcas fossem, optamos pelo empate, o que nos garante uma razão a mais para voltar, e continuar o julgamento.
Por Tempo Real