Toda ação do alto Poder Judiciário, na soma dos últimos três anos e meio, é feita sistematicamente contra as leis e a Constituição
O que está realmente em disputa, no choque entre o Supremo Tribunal e a Presidência da República, é muito mais do que um teste de força para mostrar quem, no fim das contas, manda neste país. A verdadeira guerra que está aí envolve, diretamente, a liberdade no Brasil. O STF e as forças que o apoiam no atual conflito em torno do perdão concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira, e em todos os conflitos anteriores, estão contra a liberdade. O governo e as Forças Armadas por trás dele estão a favor. É este o problema real que existe no momento. Não há outro.
Toda ação do alto Poder Judiciário, na soma dos últimos três anos e meio, é feita sistematicamente contra as leis e a Constituição — é através desse ataque permanente à legalidade que o STF e seus aliados procuram desmantelar o nosso sistema de direitos individuais e coletivos e criar um “novo normal” na política brasileira. É isso que eles procuram na sua briga de vida ou morte contra o presidente da República: um regime em que “as maiorias populistas” parem de representar um perigo para o STF e o seu entorno. Para isso, elas têm de ser colocadas em ponto morto através da anulação, na prática do dia a dia, da proteção que têm direito a receber das leis. Não se trata de perseguir individualmente este ou aquele. O objetivo real é impedir que a porção majoritária da população brasileira possa construir “um país conservador e autoritário”, como dizem os ministros, que não cabe no modelo de regime democrático que eles próprios, mais a esquerda e os seus subúrbios, têm dentro das suas cabeças.
A esquerda sempre foi uma inimiga, antes de tudo, da liberdade
Não é possível impor esse modelo, nem criar essa “nova ordem” numa sociedade livre. A liberdade é um problema insolúvel para o STF, para a camada superior do Poder Judiciário e para o resto do sistema que os apoia, ou conduz — os partidos de esquerda, as elites inconformadas com sua falta de influência no atual governo e o vasto aparelho do Estado brasileiro, junto com os parasitas que vivem dele, mais o condomínio das entidades da “sociedade civil” que está por aí. Liberdade, por exemplo, inclui o direito à livre expressão nas redes sociais — hoje, talvez, o inimigo número 1 do mundo descrito nas linhas imediatamente anteriores. Inclui eleições que o adversário pode ganhar, se o processo de apuração for limpo. Inclui o direito à palavra, que é incompatível com um Alexandre de Moraes, digamos. Inclui o avanço de valores como a família, a religião, a propriedade privada, o direito de empreender, o patriotismo, escolas sem doutrinação sexual e os consensos da maioria da população — o oposto, exatamente, do que o consórcio STF-“oposição” quer para o Brasil.
É muito estranho, realmente, que tenhamos chegado a um momento em que os militares, a direita e um político basicamente anticomunista como Jair Bolsonaro sejam os grandes defensores da liberdade no Brasil. Quem diria, não é? Mas é precisamente onde estamos no momento. Que a esquerda esteja do lado oposto não é nenhuma novidade: a esquerda sempre foi uma inimiga, antes de tudo, da liberdade. Isso ou aquilo é livre? A esquerda é contra. Não existe nenhum precedente de liberdade em regimes de esquerda, da Rússia a Cuba, da Venezuela à Nicarágua. Suas marcas, ao contrário, são censura à imprensa, partido único, ausência de eleições, prisão política, negação do direito de livre expressão, roubo de propriedade, perseguição aos adversários, negação do direito de defesa, proibição do culto — em suma, um mundo muito parecido com aquele que a esquerda quer impor ao Brasil. O que chama a atenção, no momento em que a crise entre os Poderes chega ao seu ponto extremo, é o papel das Forças Armadas — a grande garantia, hoje, da liberdade dos cidadãos, da manutenção da democracia e da oposição ao golpe de Estado.
Essa é a constatação que resulta do exame objetivo dos fatos no Brasil de hoje. Está positivamente contra a liberdade, para começar, um Tribunal de Justiça que condena a quase nove anos de prisão fechada, por ter levado ao ar um vídeo com ofensas ao STF, um deputado federal no exercício do seu mandato e das suas imunidades legais — alguém que, pelo que está escrito na Constituição, só pode ser julgado pela Câmara dos Deputados, e ninguém mais, seja lá o que possa ter feito. Age contra a liberdade quem tranca esse homem durante nove meses numa prisão, quando a lei diz que deputados só podem ser presos em flagrante, e pela prática de crime inafiançável. Também representa um ataque grosseiro às liberdades um juiz declarar-se vítima de um crime, como fez o ministro Moraes — e imediatamente assumir os papéis acumulados e simultâneos de policial, promotor e juiz do processo que abriu em causa própria.
Ao invés de mandar um pedido de investigação para a Câmara, a fim de que ela mesma decidisse sobre as culpas de Silveira — que como cidadão poderia ter praticado os crimes de calúnia, injúria ou difamação, nenhum dos quais permite pena de prisão —, o ministro abriu um processo penal contra ele. O deputado foi proibido de comparecer ao próprio julgamento. Seus advogados estão sendo acusados de má conduta por ter apresentado recursos “demais” — a defesa de Lula, o herói do STF e o seu candidato à Presidência da República, apresentou 400 recursos e foi elogiada com lágrimas por um dos ministros. O deputado recebeu uma multa ilegal, que atingiu a sua conta-salário — ação absolutamente proibida por lei. Incomodaram a sua mãe. Cassaram seus direitos políticos. Proibiram que se candidate na próxima eleição. Mesmo depois do indulto presidencial, continua sendo perseguido por conta da tornozeleira — que não precisa mais usar, já que não tem mais pena a cumprir. É, possivelmente, a mais extravagante sucessão de agressões à lei já feitas em qualquer processo na história do Judiciário brasileiro.
Barroso é um militante político empenhado em destruir Bolsonaro e o seu governo
Se um surto desses não é um ataque à liberdade, o que seria? Quando a lei vai para o espaço, as liberdades individuais e públicas vão junto — não há como não ser assim. Não apenas o deputado foi atingido; o ataque se estendeu a todos os que pensam ou possam pensar como ele. Não é preciso ficar expondo aqui, uma a uma, todas as violações da lei e da Constituição praticadas pelo STF nos últimos anos. O caso Daniel Silveira, com a sua coleção inesgotável de aberrações, é um exemplo suficiente, pronto e acabado, de todo o resto. Na verdade, o ministro Moraes não é um caso isolado — alguém, talvez, que sofreu algum curto-circuito no equipamento cerebral e ficou desse jeito que ele está hoje. Ao contrário, trata-se de um excelente resumo do que são, na média, os seus dez colegas. Teve o apoio maciço de quase todos eles no seu inquérito perpétuo, sem limites e ilegal — inclusive do último nomeado por Bolsonaro, o ministro André Mendonça. (Este não precisou de muito tempo para aprender a trair; para piorar, tentou agradar ao patrono dando uma pena menos pesada para o deputado.) De todos eles, talvez nenhum esteja sendo tão destacado no combate contra a liberdade, neste momento, quanto o ministro Luís Roberto Barroso.
Barroso é contra a liberdade porque age diretamente contra a democracia. Dias atrás, num debate público nos Estados Unidos, o ministro chamou o presidente da República de “inimigo”. Algum tempo antes, também lá, tinha participado de um seminário com o seguinte tema: “Como se livrar de um presidente”. Como o magistrado de uma democracia, que obrigatoriamente tem de ser imparcial, pode dizer coisas assim? Barroso é um militante político empenhado em destruir Bolsonaro e o seu governo. Ele mesmo, a propósito, diz que o STF tem responsabilidades políticas e não pode se limitar às funções de árbitro da Constituição — tem o dever, em seu modo de ver as coisas, de exercer um papel “transformador” na sociedade. No seu ato de militância mais recente, e claramente inconformado com o perdão presidencial a Daniel Silveira, disse, sem prova nenhuma, que “os militares” estavam sendo “instruídos” a interferir no processo eleitoral. Levou um cala-boca do ministro da Defesa — foi chamado de “irresponsável”, em nota oficial — e teve de ficar quieto, mas temos aí um sinal dos tempos. Fica claro que as Forças Armadas estão do lado da liberdade quando quem se coloca contra elas é alguém como Barroso.
A ofensiva contra as liberdades, naturalmente, se estende para muito além do STF. Ninguém se aliou tão a fundo aos ministros quanto a mídia. Não se trata, já há muito tempo, da prática de mau jornalismo, dos pontos de vista técnico ou profissional. Como os integrantes do plenário, os jornalistas acreditam que têm a obrigação de desempenhar um papel político em sua atividade ocupacional. Julgam-se portadores de responsabilidades definitivas: em vez de malversar seu empenho no mero exercício “acrítico” do jornalismo, estão convencidos de que têm o dever social, como cidadãos, de utilizar os cargos que ocupam para combater a direita em geral e Jair Bolsonaro em particular. Acreditam que têm essa função perante a sociedade brasileira — e que, por causa disso, desfrutam do direito de não respeitar as realidades. Entende-se, por aí, o negacionismo crescente da imprensa diante da lógica, dos fatos e da racionalidade. Não importa se dois mais dois são quatro; se Bolsonaro diz que são quatro, a mídia automaticamente diz que são sete. Foi cômica, no episódio do indulto, a negação da legalidade da medida, sustentada com as opiniões de “especialistas” pescados na Faculdade de Direito de Santo Antônio do Fim do Mundo — para não falar na busca desesperada por diferenças entre o perdão de Bolsonaro ao deputado, que foi “antidemocrático”, e o perdão de Lula ao quádruplo homicida Cesare Battisti, que foi “constitucional”. Não faz sentido, mas e daí? A mídia cumpriu seu dever político.
Este é o Brasil de hoje — a liberdade tem de ser defendida pelo governo e pela tropa armada
A imprensa brasileira talvez seja a única no mundo a defender a censura — apoia integralmente a proibição de publicar “notícias falsas” e punir os seus divulgadores. Mantém “consórcios” para publicar as mesmas notícias, como se faz nos países de jornal único. Age como policial de repressão ao conteúdo, com as suas “agências de verificação da verdade”. É, em sua grande maioria, a favor do projeto de “controle social” da mídia que Lula promete criar no Brasil para calar a voz das redes sociais. Provavelmente é a única, também, com sindicatos que apoiam a prisão de jornalistas e uma entidade nacional, como a ABI, que fica contra o perdão a um adversário político. Na esteira da imprensa, na militância aberta contra a liberdade, vem a aglomeração de sempre. É a OAB, que não admite, nem mesmo, a realização de eleições livres para escolher a sua própria diretoria. São as entidades “empresariais”, com as federações e as confederações da vida. São os bispos da CNBB. É a direção da Câmara dos Deputados e a do Senado Federal, que atingem, hoje, níveis clínicos de covardia e de servilismo — algo que não se conheceu nem no tempo dos senadores “biônicos” do regime militar. No seu grande momento, ficaram a favor da prisão de um membro do Parlamento — outro caso único no mundo. São todos os partidos de esquerda, a começar pelo PT, que recorrem ao STF para anular o perdão a um colega da política. É a universidade pública, onde os professores chamam a segurança para expulsar da sala um aluno que tentou exercer o seu direito a não usar máscara. É toda a polícia que se formou em torno da covid, da vacina e do “fique em casa”. São todos, enfim, que não conseguem pronunciar a palavra “liberdade” sem juntar a ela, imediatamente, a palavra “limites”.
Este é o Brasil de hoje — a liberdade tem de ser defendida pelo governo e pela tropa armada. É isso que separa o país de um golpe de Estado.
Por J. R. Guzzo