Por que a extrema direita tem avançado em todo o mundo, como vimos tanto na última eleição para o Parlamento Europeu quanto na eleição passada, e na possível reeleição do Trump, nos Estados Unidos? Constata-se o mesmo em outros países, como Itália, Hungria, Turquia, Argentina e até, surpreendentemente, aqui, no Brasil, país com grande maioria de pobres.
Evidentemente a resposta é complexa e não pode ser explicada simploriamente por apenas uma única razão. Seria simplificar demais aceitar que tudo é fruto das técnicas de Steve Bannon para, usando fake news, manipular, com muita competência, as redes sociais. Claro que isso é verdade, mas não é tudo.
Eu sempre achei que havia algo mais e muitas pistas me vieram claras e bem postas no artigo da Ruth de Aquino, publicado no “O Globo” do dia 14 deste junho de 2024.
Registro que, generosamente, ela me autorizou a usá-lo como matéria-prima nestas minhas reflexões.
Sob o título “A esquerda está sem voz”, ela relembra a entrevista que fez com o filósofo francês Régis Debray há alguns anos (que inveja desse privilégio!). Ali, ele intuiu o que está acontecendo agora na França. Apesar de ele se referir ao seu país, é fácil perceber que os motivos franceses facilmente influenciaram alguns outros, entre os quais, infelizmente, o Brasil está incluído.
Aproveitando da confiança de Ruth, pinçarei trechos da entrevista, e os trarei para a realidade brasileira, que é onde mais nos interessa.
“A carreira política, hoje, é para os imbecis, ou para quem quer saciar uma vaidade, ou fazer arrivismo social”. Tal como eu, vocês reconhecem alguém?
“Na França, os jovens mais brilhantes não entram na política, vão para as finanças, para os bancos e o mercado”. Pra mim soa familiar, pra vocês também?
“O indivíduo passa a se concentrar em como ganhar dinheiro, em como ganhar mais do que o vizinho”, e claro, acrescento, dando uma banana para os valores coletivos.
Em algum momento, o filósofo deixa subtendido que os pobres são mais alérgicos à imigração (na França), ou migração (no Brasil), de outros pobres, porque são concorrentes aos mesmos empregos e a mesma assistência social. Por outro lado, os ricos não se importam tanto. Afinal, pobres não ocuparão a Place de la Concorde (os Jardins, em São Paulo ou o Leblon, no Rio). Irão se amontoar nas distantes periferias.
Todas as campanhas eleitorais são mentirosas, porque a única forma de chegar ao poder, nas democracias, é fazendo promessas, só promessas: “O político de esquerda promete justiça e igualdade. O de direita promete eficiência, lucro e sucesso. Normalmente, as promessas não são cumpridas. A inflação e o desemprego comandam a maioria dos votos da ultradireita que utiliza discurso religioso, conservador, nacionalista e populista para empolgar as massas dos mais necessitados”.
Vem daí um paradoxismo meio louco: o eleitorado da esquerda tradicional é hoje formado por intelectuais, sindicalistas e por alguns privilegiados. A direita é representada por mercado financeiro e classes produtoras. Já a ultradireita, pasmem! é composta pelo povão, na maioria ligados a comunidades religiosas e militares.
Aliás, aqui no Brasil sempre fomos pródigos em paradoxos políticos, basta lembrar que, durante a ditadura militar, a regra econômica era estatizar. Após a abertura política, com o comando do país nas mãos dos esquerdistas que voltaram do exílio, a privatização das estatais tornou-se a tônica do governo FHC.
Concluindo o artigo, a Ruth de Aquino escreveu, com autoridade: “A esquerda parece não entender o que está em jogo. Repete erros com uma convicção suicida” (e eu acrescento: faz isso com muita arrogância). Ela continuou: “E o centro e a direita perderam seus discursos para o populismo delirante de figuras patéticas como Trump, Milei e Le Pen, que remetem ao fascismo. A ultradireita assombrou o mundo esta semana – e não vai parar por aí (E eu, infelizmente, concordo).
A nossa extrema direita, ou seja, o bolsonarismo-raiz, vibrou com o crescimento da direita francesa nas recentes eleições para o Parlamento Europeu sem perceber, ou sequer entender, que aqueles franceses extremistas é que estão, ao longo dos últimos 20 anos, sabotando o acordo Mercosul – União Europeia, receosos da concorrência entre a agricultura ultrapassada deles com a nossos produtos agrícolas. No caso, é a cristalização do mesmo sentimento que externam contra a imigração de povos africanos.
A mesma ilusão envolve aqueles que exultam com a possível reeleição do Trump. Antes de fazê-lo, deveriam recordar-se das políticas xenófobas executadas no seu primeiro mandato, amplamente exposta na frase símbolo da campanha eleitoral: “America First”, que traduzo livremente como “Primeiro a América do Norte, e dane-se o resto”.
Por: Alfeu Valença
Ex-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET Consultoria e Engenharia de Petróleo.
Alfeu assina a coluna no site https://temporealrj.com/alfeu/