Petrobras comemora reconhecimento do mercado enquanto se equilibra entre anseios de consumidores, acionistas e do Planalto
RIO – Com o início de 2024, a Petrobras começa a colocar em prática o primeiro plano estratégico elaborado no terceiro mandato de Lula (PT): US$ 102 bilhões de investimentos em cinco anos, durante um governo que garantiu aos eleitores que a companhia voltaria a ser um vetor de desenvolvimento do país.
Passados os 12 meses da posse, a petroleira deve entregar resultados financeiros robustos no fechamento de 2023, enquanto seus executivos comemoram o valor de mercado da empresa – que superou os US$ 100 bilhões.
Inegavelmente, o mercado de ações aprovou a condução da Petrobras com o bolso, mas os discursos das casas de análise e bancos seguem demonstrando desconfiança com os rumos da companhia, que se equilibra entre os anseios de consumidores, acionistas e do Planalto.
À primeira vista, são pressões antagônicas, mas que os executivos da companhia entendem que conseguiram navegar de forma bem-sucedida no primeiro ano.
Conta para isso a manutenção do pagamento de dividendos em um nível atraente, evitando o aumento do endividamento da estatal. “Projetos sancionados apenas com VPL [Valor Presente Líquido] positivo no cenário mais conservador” é uma das primeiras mensagens do plano 2024-2028+.
A cada distribuição, o governo e bancos públicos são destino de pouco mais de um terço dos dividendos, que até setembro somaram R$ 57 bilhões em 2023, considerando parcelas a pagar.
O ano começa também com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), ocupando a agenda política do país com a pauta fiscal.
A empresa nem sequer promoveu uma redução agressiva dos preços dos combustíveis, desde o fim oficial do PPI.
Pelo contrário, executivos da empresa passaram o ano argumentando em conversas em Brasília que manter a rentabilidade na venda de derivados garantirá os recursos necessários para as novas obras.
A revisão da política de dividendos e os preços de combustíveis foram o foco da nova gestão. Ambas tiveram mudanças menos radicais do que o previsto pelo mercado, o que ajudou a dissipar as ressalvas.
Até aqui, a Petrobras não abraçou o conteúdo local do passado. Manteve o rumo das licitações, principalmente da área de exploração e produção, sem direcionar demandas adicionais para os estaleiros brasileiros.
Também não entregou, no plano aprovado, o grande pacote de navios desenhado na Transpetro: de uma expectativa inicial de 25, saiu o orçamento para construir quatro até 2028.
Gás e fertilizantes, menos rentáveis – e claras prioridades políticas de Lula –, estão entre os maiores desafios do plano, que adiou mais uma vez o projeto de Sergipe e tem um horizonte incerto para retomada de Três Lagoas, a fábrica incompleta do Mato Grosso do Sul.
Uma grande expectativa para os próximos meses é o início da aquisição de ativos de geração eólica e solar.
A Petrobras vai às compras para o seu retorno à geração de energia, em meio a um conflito interno entre aquisições de ativos geradores de caixa ou os chamados greenfield, em fases iniciais de desenvolvimento (e mais baratos).
Ao cabo, o plano aprovado representa, evidentemente, a chancela do Planalto. O governo controla o conselho, que deu o aval final sobre o próximo ciclo de investimentos da Petrobras. No curtíssimo prazo, o foco é a entrega.
“O primeiro ano foi de plantar o terreno. Este é o ano da colheita e a primeira árvore frondosa é a Rnest”, disse o presidente Lula durante o evento de lançamento das obras da refinaria em Ipojuca.
Com o freio nos desinvestimentos, a empresa confirma o objetivo de se manter como ator relevante para a economia do Nordeste. Foi o tom do evento em Pernambuco.
O próximo está previsto para o polo naval de Rio Grande (RS), onde será feito o primeiro grande projeto de desmantelamento de uma plataforma no Brasil.
Os próximos anos serão, como foi no passado, de um ciclo de adaptação para o mercado e indústria, a cada passo dado por uma das maiores companhias da América Latina. Foi, afinal, o primeiro ano de um partido que já está pensando quem será o candidato em 2030.
Detalhamos, a seguir, projetos específicos: as dificuldades com o projeto de produção de gás natural em Sergipe; as incertezas no retorno à fabricação de fertilizantes; a Braskem; e as discussões internas envolvendo a compra de ativos de geração renovável.
Uma empresa integrada em tempos de crise
“A Petrobras voltou”. Foi assim que Jean Paul Prates apresentou o novo plano 2024-2028+, em novembro.
É o retorno à lógica de empresa integrada, com uma atuação mais ampla no setor de energia, incluindo iniciativas nas áreas de refino, fertilizantes e renováveis, além da internacionalização.
Dentro da empresa, o discurso é de que o endividamento precisa ficar sob controle e que eventuais novos projetos acrescentados ao portfólio precisam “agregar valor”.
Isso enquanto a indústria global atravessa um momento de aumento de custos e de maior incerteza na cadeia de fornecimento, em meio às guerras e tensões na Europa e no Oriente Médio.
De fora, o mercado calcula que o cenário pode alterar o calendário de entregas da estatal nos próximos anos, mas fontes internas garantem que o novo plano já foi elaborado considerando esse contexto mais desafiador.
E daí surgiu a necessidade de repensar a estratégia de contratação, para reverter os impactos do cenário internacional e garantir a entrada dos projetos no prazo.
Voltar a se assumir como uma empresa integrada é a marca da ruptura em relação ao governo de Michel Temer, que deixou de herança para Bolsonaro o plano de “enxugar” a Petrobras, com foco na exploração e produção em águas profundas e dentro do Brasil.
Significava vender tudo que estivesse fora do polo formado pelos campos de alta rentabilidade do pré-sal e do parque de refino majoritariamente no Sudeste. O próximo passo seria a promessa do ex-ministro Paulo Guedes de privatizar, mas que foi negada pelas urnas em 2022.
Plano de investimentos conservador
Esse constante equilíbrio se refletiu no plano de negócios: US$ 11 bilhões (10%) dos US$ 102 bilhões aprovados estão na “carteira em avaliação”.
São US$ 91 bilhões firmes, com US$ 73 bilhões (80%) para produzir mais petróleo – o que a companhia, sempre que pode, perseguiu.
São US$ 12 bilhões (13%) no orçamento em implantação para o refino. Abreu e Lima é uma obra estimada em até R$ 8 bilhões (US$ 1,6 bilhão), segundo estimativas citadas no lançamento das obras.
O trem 2 já estava previsto no planejamento anterior, elaborado no governo de Jair Bolsonaro, após o fracasso do plano da administração passada em vender a refinaria.
O que, aliás, coloca em xeque a grita recente de setores da sociedade, que atribuem a decisão da Petrobras de investir em refino no Brasil exclusivamente à volta do PT.
Os R$ 11 bilhões da carteira em avaliação estão na área de gás (R$ 6 bi) e também refino (R$ 5 bi). É uma característica do plano quinquenal que, pela primeira vez, incorpora na sua comunicação o que vem depois (o “2028+”).
Assim, ao deixar o montante para investimentos em avaliação, a diretoria indicou e o conselho aprovou uma seleção de projetos que ainda precisam passar por instâncias adicionais da governança interna antes de saírem do papel.
Esses diferentes níveis de maturidade sempre existiram no planejamento financeiro da companhia, mas dessa vez os valores foram abertos e anunciados como uma forma de ampliar a transparência.
A divulgação da carteira em avaliação foi percebida pelo mercado financeiro como um esforço para chegar ao capex total de três dígitos esperado pelo governo. Há, portanto, dúvidas sobre a intenção real de execução do valor.
Esse conservadorismo, na visão de analistas, se reflete na prioridade para projetos em linha com a estratégia anterior, como a revitalização dos campos de Barracuda e Caratinga, na Bacia de Campos, que vão ganhar uma FPSO de 100 mil barris/dia, prevista para 2028.
Antes do anúncio do plano, o temor recaia sobretudo no retorno ao setor de fertilizantes e a expansão do refino e da petroquímica, além da entrada na geração de energias renováveis, devido ao menor retorno em comparação com a produção de óleo.
A leitura de setores da companhia que anseiam uma aceleração dos investimentos é a mesma do mercado financeiro. Na conclusão, basta inverter: a Petrobras deveria ser mais ousada no desenvolvimento da indústria local e na geração de emprego e renda.
Mais ou menos sem PPI, mas pagando as contas
Escolhido por Lula para comandar a companhia, Jean Paul Prates completa um ano no cargo este mês. A diretoria chegou alguns meses depois, concluindo a transição e formação do novo conselho, um primeiro episódio da acomodação política na companhia.
Nesse período, Prates brigou publicamente e diversas vezes com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD).
As equipes do ministro chegaram a calcular quão mais caro os combustíveis da Petrobras estavam em relação ao PPI, uma postura inédita, ainda mais em um governo petista.
Bolsonaro não fez isso, mas reclamava dos preços nas transmissões de quintas-feiras e demitia seus presidentes. Foram tempos turbulentos na companhia.
No atual governo, o tema se estendeu por gabinetes de diferentes ministérios, inclusive na Casa Civil de Rui Costa (PT).
Combustível de aviação caro é um obstáculo para redução das passagens; a gasolina e, especialmente o diesel, têm impacto na inflação e na satisfação dos eleitores.
São premissas que Prates e executivos da Petrobras precisaram negociar em Brasília para terminar um ano com uma estratégia comercial, que na prática, entregou preço até acima do finado PPI em alguns períodos do ano – o QAV da aviação é o caso mais claro.
Prates pautou parte desses conflitos nos bastidores por meio das críticas públicas ao que entende ser uma demora na transmissão de preços ao longo da cadeia de distribuição e revenda.
“São ainda poucos meses, mas de muito trabalho, em diálogo constante com toda a sociedade, que tem visto a empresa comunicar ajustes nos seus preços e que tem cobrado que as nossas reduções também cheguem aos postos”, disse em novembro, em um longo balanço da gestão, no X (ex-Twitter).
Tudo isso se refletiu no plano, a partir do contraponto feito pela empresa junto ao governo, que a rentabilidade na venda dos combustíveis sustenta os novos investimentos, os aportes no parque existente – os revamps – e no fator de utilização das refinarias, que de fato atingiram níveis historicamente altos.
Para a Faria Lima, os executivos abriram um diálogo com investidores e imprensa meses antes do anúncio oficial dos investimentos, dando sinais graduais dos novos rumos. Evitaram surpresas, o que agradou ao mercado.
Com os dividendos em dia e uma leitura em setores do governo que os preços dos combustíveis não são um grave problema político na atual conjuntura do país, o sentimento na cúpula da companhia é de “missão cumprida” em Brasília, sem desagradar os acionistas privados.
Um termômetro é o tratamento aos papéis: no primeiro trimestre de 2023, menos de um terço dos analistas recomendavam a compra de ações da Petrobras. O mercado tinha uma posição majoritariamente “neutra”, mesmo vendo potencial de valorização.
Ao fim do ano, 73% orientavam a compra e não havia nenhuma recomendação de venda. O preço-alvo dos analistas subiu cerca de 20% ao longo do ano.
Até o momento, além de conter os arrepios do mercado de ações, o governo tem sido bem-sucedido em superar outro trauma do controle de preços do passado, quando a Petrobras represou os repasses do mercado global ao fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT).
As vendas de etanol hidratado na safra 2023/2024 subiram 11% até dezembro, para 14,37 bilhões de litros, enquanto o anidro misturado no combustível fóssil avançou 0,95%.
Gasolina artificialmente barata compromete as margens do biocombustível, prejudicando os negócios dos usineiros.
Na aproximação com o agronegócio, Silveira foi um dos responsáveis por reconstruir as pontes entre o PT e o setor sucroenergético, especialmente a partir de Minas Gerais, sua base eleitoral e onde o petista virou o jogo, derrotando Bolsonaro. Pavimentou de vez o caminho até a Esplanada dos Ministérios de Lula.
Os desafios contratados no plano 2024-2028+
O gás natural de Sergipe e a construção de plataformas
A Petrobras vai rever aspectos técnicos previstos nas licitações para o afretamento das duas plataformas de águas profundas de Sergipe-Alagoas. As licitações estão na rua desde 2021 e, após mudar o modelo de contratação, a concorrência foi relançada no início de 2023.
A companhia tem enfrentado dificuldades para afretar as duas unidades, que estão previstas para entrar em operação em 2028, com capacidade para produzir 120 mil barris/dia cada.
A entrega de propostas prevista para 15 de janeiro foi adiada. “Esse aquecimento do mercado que vai demandar que se reveja realmente o projeto”, explica uma fonte da empresa.
A companhia se debateu internamente sobre o projeto e chegou-se a discutir manter os investimentos na carteira em avaliação. Por exigência do conselho, a diretoria reavaliou e subiu Sergipe para implantação, o que eleva as responsabilidades das áreas técnicas internas na busca por uma solução economicamente viável.
Isto é, não se carimbou um orçamento para elevar a oferta de gás natural a partir do estado do Nordeste com sacrifícios do “VPL positivo”.
As contas da companhia demonstram que a produção de óleo das duas unidades é fundamental para o conjunto de ativos parar de pé e viabilizar o gasoduto de 18 milhões de m³/dia.
Diante do desafio de contratar duas FPSOs em um mercado inflacionado, o gás foi adiado em mais um ano, para 2029.
Além disso, a Petrobras deve anunciar nos próximos dois meses uma nova estratégia para a contratação própria de parte das plataformas.
O cenário de dificuldade de contratação de grandes projetos no mercado internacional deve dar o tom dessas iniciativas.
A companhia tem deixado claro, no entanto, que não vai assumir compromissos sem racionalidade econômica e aponta que os projetos que já estão em andamento são suficientes para fazer chegar demandas aos estaleiros e à indústria nacional na segunda metade da década.
Vem aí a Braskem
Já na área petroquímica, a companhia espera expandir a atuação, que é considerada crucial para a estratégia de longo prazo, com a transição energética. A estratégia, no entanto, carece de uma definição sobre a situação da Braskem, na qual a Petrobras tem uma participação minoritária.
A Novonor recebeu propostas pela venda da fatia que detém na empresa, mas enfrenta uma crise pelos impactos da exploração de sal-gema em Maceió (AL). A Petrobras tem direito de preferência para a compra, caso a Novonor siga adiante com a venda.
Fontes internas avaliam que a expansão no segmento é fundamental, mas que vai ser necessário ter “estômago” para aguentar ciclos de baixa antes do aumento do lucro.
Os próximos passos são esperados para o início deste ano, mas os novos casos de afundamento do solo em Macéio deram força à CPI de Renan Calheiros (MDB), senador e pai do ministro e ex-governador Renan Filho, correligionários aliados do atual governador Paulo Dantas. É uma disputa contra Arthur Lira (PP) e o prefeito da capital, JHC (PL).
No mercado financeiro, o entendimento é de que boa parte dos US$ 11 bilhões destinados à carteira em avaliação no planejamento divulgado em novembro estão relacionados a estudos para o aumento da participação da estatal na petroquímica, mas ainda é considerado improvável que isso ocorra.
Indefinição em Três Lagoas
Em 2024, a companhia vai iniciar os estudos financeiros para a retomada das plantas de fertilizantes, segmento que estava no alvo dos desinvestimentos até então.
O projeto que deve ter o retorno mais rápido é a Araucária Nitrogenados S.A. (Ansa), no Paraná, que está hibernada desde 2020. A matéria-prima são resíduos asfálticos, não gás natural.
O maior desafio técnico e econômico está em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. As obras chegaram a superar 80% de avanço físico, mas foram interrompidas há dez anos.
Ao avaliar a retomada do projeto, a Petrobras ainda não conseguiu chegar ao ponto nem sequer de avaliar a oferta e a sensibilidade econômica aos preços do gás natural. Não há orçamento carimbado no plano; é um “projeto em estudo”.
Foi projetada para receber gás pelo Gasbol (Bolívia-Brasil) e hoje há dúvidas sobre a capacidade do país vizinho em atender à demanda brasileira – ou receber o reforço da Argentina.
A internacionalização e a pesquisa de formas alternativas de produção são vistas como formas de ajudar a superar essas dificuldades. O uso de biogás em substituição ao gás natural, para ajudar a baratear o insumo, é uma das possibilidades estudadas para o segmento.
Em novembro, o presidente Lula afirmou que a Petrobras poderia fazer parcerias com empresas da Arábia Saudita na produção de fertilizantes.
Aquisições de renováveis e geração de caixa
A estatal está analisando a compra de projetos de geração renovável no país, respeitando uma proporção de 80% de projetos em fases iniciais ou que precisam ser desenvolvidos do zero. São os chamados greenfield, mais baratos.
É o que a diretoria da companhia deve perseguir no horizonte 2024-2028, a partir de uma decisão tomada no conselho, durante a aprovação do plano. A área financeira defende a preferência para aquisições de ativos operacionais e já geradores de caixa (os brownfields).
Nada impede, contudo, que as aquisições comecem por parques eólicos e solares operacionais, com faturamento no curto prazo – ou até mesmo que a decisão do conselho seja revista futuramente.
Os projetos novos significam obras e maior criação de empregos associados à retomada dos investimentos da estatal no Brasil. É um bônus político, que não é ignorado na companhia.
De todo modo, o racional é que o retorno à geração de energia renovável, apesar da menor rentabilidade quando comparado à produção de petróleo em águas profundas, pode atuar como um “estabilizador” para a geração de caixa em momentos de volatilidade do preço do barril.
Tampouco representa uma ruptura com o que é praticado internacionalmente no mercado. Equinor e Shell são grandes produtores de petróleo e gás natural e estão desenvolvendo negócios em geração solar no Brasil. Globalmente, a lista inclui majors de capital aberto e empresas nacionais.
Dentre os analistas ouvidos, parte acredita que 2024 pode ser um bom ano para esse movimento, devido ao grande número de empresas que precisam adequar a carteira e buscam parceiros para empreendimentos renováveis.
Eneva e Comerc, por exemplo, têm caminhado neste sentido. O grande receio é em relação ao baixo preço da energia elétrica para o longo prazo, o que pode afetar o retorno.
Correção: o investimento no trem 2 de Abreu e Lima é estimado em R$ 8 bilhões, não US$ 8 bilhões.
Por EPBR