OPINIÃO

No início, tudo são flores, depois a verdade aflora e os espinhos proliferam. Essa frase me vem à mente quando analiso os planos de saúde atuantes no Brasil.

Não sei como funcionam em outros países, e nem me interessa, pois eu e meus conterrâneos vivemos no Brasil, e é aqui que estamos sofrendo pelos maus serviços e pelos preços e reajustes escorchantes, diante de um total descaso das autoridades encarregadas da fiscalização e regulamentação dessa importante atividade.

Descaso, sim, amigos, porque pode não parecer, mas existe um órgão governamental criado pela Lei Federal 9.961 de 28/01/2000 com o objetivo de, pasmem!, “defender o interesse público sobre a assistência suplementar à saúde e normalizar, controlar e fiscalizar atividades de planos de saúde”. Esse órgão chama-se ANS — Agência Nacional de Saúde Complementar — e, evidentemente, não está sendo exitosa no seu papel.

E por que eu digo isso? Porque a lei diz que ela existe “para preservar os direitos e deveres das operadoras e dos consumidores”, mas, pelas queixas generalizadas desses últimos, apenas os direitos das primeiras têm merecido os cuidados e apreços da agência.

E como funciona a ANS? Ela é comandada por uma Diretoria Colegiada (ótimo para diluir responsabilidades!), com cinco diretores indicados pelo ministro da Saúde e aprovados pelo Senado Federal (lá mesmo, onde os lobbies e interesses campeiam!). Todas as atividades dos planos de saúde obedecem às normas, regras e padrões estabelecidos pela ANS, teoricamente exigindo a atuação ética dessas empresas e garantindo uma relação mutuamente satisfatória com os consumidores, obedecendo a lei. Em tese, nada melhor. Na prática, nem tanto.

Existem inúmeros planos de saúde, mas podemos abrangê-los em dois tipos: os individuais e os coletivos/empresariais. Os individuais são contratados diretamente pelos beneficiários. Os coletivos/empresariais são contratados por associações, sindicatos ou empresas. Os planos têm praticamente as mesmas características básicas, tais como consultas com médicos credenciados, período de carência, cobertura ambulatorial e hospitalar, doenças pré-existentes, exames, etc.

A grande e importante diferença entre elas está no reajuste anual do valor das mensalidades. E aí reside um dos maiores problemas que afligem os clientes desses planos. Nem todos sabem que apenas os reajustes dos planos individuais são negociados e aprovados pela ANS. Isso permite que os planos coletivos/empresariais sejam anualmente reajustados com índices muito superiores à inflação do período.

Esse procedimento estimula as operadoras a reduzirem a oferta dos planos individuais, privilegiando aqueles onde os reajustes estarão “livres, leves e soltos”. E, nesse sentido, não estão credenciando novos hospitais e casas de saúde para planos individuais. Assim, no longo prazo, só terão direito à utilização daqueles serviços os portadores de planos coletivos/empresariais. Aos individuais, restarão os conveniados antigos, clínicas e hospitais velhos com recursos obsoletos.

Acham pouco? Pois saibam que, ultimamente, as exigências para aprovação de reembolso parcial de consultas ou exames com médicos ou clínicas não credenciadas estão ficando impossíveis de serem atendidas. Um exemplo: na solicitação de reembolso de um exame de imagem eles pedem 1) Requisição do exame; 2) Comprovante de pagamento pelo solicitante; 3) Nota Fiscal emitida pelo médico ou clínica; 4) Laudo com resultado do exame e, 5) por último, absurdamente, o Relatório do Tratamento.

Nitidamente é uma forma de dificultar o que antes limitava-se a apresentação de um recibo ou Nota Fiscal. No limite, não reembolsarão exames que comprovem a cura do paciente porque, uma vez livre da doença, inexistirá o tal Relatório do Tratamento.

Não bastasse essas distorções apontadas, há poucos dias li em jornais que alguns planos estão cancelando unilateralmente contratos antigos sob o pretexto de fazer “limpeza de contratos deficitários”. Algumas vítimas desse procedimento têm recorrido à Justiça e conseguido voltar aos mesmos planos ou obtido portabilidade para planos equivalentes, mas não deixa de ser uma atitude abusiva. E notem que nem falei das demoradas aprovações de tratamentos e procedimentos cirúrgicos, inclusive em casos oncológicos de inquestionável urgência.

O resultado disso tudo é que os planos de saúde estão ficando caríssimos e o número de usuários do sistema tem diminuído bastante, provocando uma migração indesejável para as redes públicas, que estão longe de estarem equipadas para atender condignamente essa legião de brasileiros desamparados.

Existe quem diga que todos esses procedimentos esdrúxulos adotados pelas operadoras dos planos são aprovados pela ANS por estarem amparados pelas leis. Em sendo verdade, eu pergunto, se exceto as cláusulas pétreas até a Constituição pode ser modificada, por que nenhum congressista propõe uma mudança nessas leis que aparentemente protegem as operadoras e deixam os usuários dos planos de saúde totalmente desamparados?

Pensando melhor, prefiro não ouvir a resposta.

Por: Alfeu Valença
Ex-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET Consultoria e Engenharia de Petróleo.
Alfeu assina a coluna no site https://temporealrj.com/alfeu/