Meu pai, que sabia quando ia chover só em olhar para a formação de nuvens no nascente e no poente, dizia: “quando o vento vem numa direção, ninguém desvia seu rumo”. Costumei aplicar a pequena lição à política. Quando o vento corre na direção de um candidato, não há barreira que o detenha. Torna-se ele “a bola da vez”, o cara que tende a chegar ao pódio antes dos outros. E, aproveitando mais um ditado popular, a corrida do vento até se acelera quando alguém “cutuca a onça com vara curta”. A fera, quieta em seu canto, corre para abocanhar o caçador.
A imagem cai bem sobre a figura do capitão Jair Bolsonaro. A ventania provocada pela atmosfera eleitoral sopra na sua cara, a mostrar que, mesmo sob muralhas construídas em sua passagem – acusações de discriminação contra mulheres, misoginia etc – o candidato da extrema direita está na posição de canalizador das correntes mais fortes que impulsionam o eleitorado brasileiro. Nem a onda feminina que, há dias, invadiu as ruas, a partir do Largo da Batata, em São Paulo, protestando contra o candidato sob o manto de um movimento batizado de #Elenão, deteve sua capacidade de aglutinação. Deu-se um bumerangue: Bolsonaro ganhou pontos no campo das mulheres e, ainda, cresceu em segmentos tradicionais do lulismo, como as margens pobres do Nordeste.
O que teria ocorrido? O movimento das mulheres contra Bolsonaro abrigaria um grupo majoritariamente de esquerda e de boa renda, e o “cutucão com vara curta” nos costados do capitão teve o condão de despertar o sentimento antipetista, particularmente forte nos enclaves médios do Sudeste, com grande poder de capilaridade. O tom crítico de candidatos do centro contra o lulopetismo, nos últimos dias, correu pelas regiões, fazendo estragos na imagem do PT e de seu candidato Haddad. Evitar “a volta do PT ao poder” passou a ser grande estampa na paisagem eleitoral, abrindo os flancos de candidatos como Geraldo Alckmin, Marina Silva e até Ciro Gomes, que viram parcela de seus eleitores surfar na onda bolsonariana.
O fato é que a intensa polarização que racha o país denota algo inusitado: os dois líderes dos votos são também os mais rejeitados, ambos beirando 45% de rejeição. Bolsonaro veste o figurino do cara ao lado do eleitor, sujeito de cultura mediana, de linguagem simples, sem sofisticação, um parlamentar do baixo clero que nunca habitou o altar dos qualificados no Parlamento. Traduz o voto de protesto contra a velha política e contra a rapinagem desvendada pelas Operações Mensalão e Petrolão, simbolizando, ainda, a figura do mocinho do velho Oeste a atirar para matar (que fique claro) os bandidos.
Haddad, por sua vez, é um emissário que pede aos eleitores pobres do Nordeste para desencavar a bolorenta foto de Lula no baú para recolocá-la na parede de suas casas, sob a lembrança do dinheirinho do Bolsa Família e da água do São Francisco. Para os eleitores do alto, tome promessas de recuperar o Brasil da era PT. (Haja dissonância). O bumbo sobre os caminhos tortuosos do PT, o fraseado “revolucionário” de seus pensadores – José Dirceu na vanguarda -, a palavra de ordem “Lula Livre”, a dúvida gerada por Haddad (É Lula, mas não é), acabam deixando muita gente desconfiada. Por isso, só os convictos põem fé na palavra dele.
Se formos comparar os ruídos provocados pelas campanhas, podemos dizer que os decibéis bolsonarianos estão entre 80 a 100 (mesmo com o capitão recolhido após a facada), faixa considerada muito alta, enquanto os decibéis de Haddad giram entre 60 a 80, faixa intermediária. O recado de Bolsonaro faz mais eco. Com agudos e graves até então desconhecidos, o candidato exerce maior poder de atração. Outro modo de comparar é dizendo que a tonalidade mais radical sai da trombeta de Bolsonaro, performance que cai mais no agrado social, em função do clima de desordem e roubalheira vivido pelo país.
No segundo turno, os tons do discurso aumentarão de volume, acirrando o ânimo das duas bandas que dividem o território. O capitão continuará a se ancorar na bengala da emoção que usa desde a facada. Já o ex-prefeito Fernando Haddad tentará se equilibrar na corda bamba, ora procurando exibir voz própria, ora passando recados do tutor Luiz Inácio. Até 28 de outubro, veremos choques agudos e entreveros mais severos. Sob uma primavera muito quente.
* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato