A eleição deste ano constitui um marco avançado contra a velha política. O voto em Bolsonaro, que chegou perto de vitória no primeiro turno, teve mais uma função purgativa contra a mesmice da política do que, propriamente, o reconhecimento às qualidades do protagonista da direita. Tratou-se de um antivoto. O recado do eleitor foi claro: “políticos obsoletos, deixem seu campo. Ou nós os expulsaremos da moldura”. Uma leva de figuras tradicionais foi despedida do Congresso.
O voto em Haddad tem significações, a partir do engajamento do eleitorado do Nordeste ao lulismo, na esteira do Bolsa Família, acesso ao consumo e as águas do São Francisco, que os nordestinos atribuem ao “pai Lula”. Um voto do coração. É o contraponto às posições ultraconservadoras do capitão e ao elo que o liga aos tempos pesados da ditadura.
O fato é que as escolhas para governos e parlamentares denotam a decisão do eleitor de abrir o ciclo da renovação. Nomes que vestem o manto de outsiders, como o empresário Romeu Zema, em Minas Gerais, e o juiz Witzel, no Rio de Janeiro, que ganham a condição de favoritos, surpreenderam. E o furacão que se abateu sobre figuras carimbadas foi sem piedade. Nunca se viu uma estocada tão fulminante sobre a velha política.
O PSDB quebrou-se e virou uma porção de cacos. Foi o maior perdedor da campanha. A social-democracia, sob a imagem do tucano, vai passar um bom tempo no tabuleiro, tentando reconstruir seu ideário, renovar suas carcomidas lideranças, achar um meio de sobreviver. Da mesma forma, o MDB foi jogado no despenhadeiro, elegendo apenas 34 deputados (eram 66) e ficando como quarta bancada. Já o nanico PSL, do capitão Bolsonaro, elegeu 52 parlamentares na Câmara, vindo logo atrás do PT, que, mesmo perdendo deputados, continua como primeira bancada. Ocorreu ainda dispersão de votos por legendas pequenas.
O puxão geral de orelha pegou, de soslaio, até os institutos de pesquisa, que não atinaram para a expulsão de figuras históricas da moldura política. Essa desculpa de dizer que pesquisa flagra apenas o momento, não trazendo resultados, é esfarrapada. As pesquisas captam também tendências.
O segundo turno deverá ser contundente, com enfrentamentos cheios de ódio. Trata-se de uma disputa entre direita e esquerda, entre PT e anti-PT. A dúvida será se o Nordeste, com seus 26% de votos, tende a melhorar a votação de Bolsonaro e, ainda, se Haddad poderá aumentar seus votos no Centro, Sudeste, Sul, Centro Oeste e Norte, onde colheu derrotas. O Sudeste concentra o maior eleitorado do país e os maiores núcleos – profissionais liberais, sindicatos, mulheres, comerciários, setores produtivos etc. Teria o PT condições de abocanhar parcela de grupamentos mais esclarecidos diante da possibilidade de se reabrir o ciclo do medo com Bolsonaro? O antipetismo no Sudeste é muito forte. A onda do capitão reformado avançou por estas bandas, com envolvimento de bancadas corporativas – evangélicas, agronegócio, entre outras.
Se Haddad vencer, terá de se ancorar em outras políticas que não as da era PT no poder. O mundo e o país mudaram. Se Bolsonaro ganhar, só terá condições de governabilidade se for capaz de reabrir o processo de reformas: previdenciária, tributária e política. Pelo menos essas três. O eleitor mostrou que quer respirar novos ares. Mudar padrões. Ver melhoria dos serviços públicos. Diminuir a bandidagem nas ruas. Não haverá eficácia se essas reformas forem construídas com os tijolos do populismo.
Quem quer que seja o vitorioso, terá de construir eficiente articulação com o Congresso. A real politica vai pôr as cartas na mesa. Como ser duro e, ao mesmo tempo, flexível para atender o confessionário político? A política econômica seguirá o rumo liberal ou terá pitadas de forte intervenção do Estado? As perspectivas são sombrias à direta ou à esquerda.
O fecho é trágico, mas necessário. Hobbes dizia: “quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus”.
* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato