“Nunca duvide de que um pequeno grupo de cidadãos reflexivos e comprometidos pode mudar o mundo; na verdade, é a única coisa que tem conseguido.”
Maquiavel definia o Estado como uma obra de arte – algo com nuances que nem todos são capazes de perceber. No Brasil, a sociedade ainda não percebeu – ou pior – desconhece a importância que o tema militar deve suscitar na política.
Mesmo hoje, são raros os cidadãos que dominam os assuntos militares, e outros bem poucos que lhes atribuem o devido valor.
Agravou-se o quadro nos últimos sessenta anos, quando passamos a assistir uma narrativa acadêmica de massiva desinformação de cunho ideológico, recheada por um revanchismo disfarçado de defesa dos princípios democráticos, com oportunas adesões de políticos de ocasião contra qualquer menção de militares na política.
Passados quase quarenta anos do regime militar, persistem ideias infundadas de associar nossas Forças Armadas ao autoritarismo e à desobediência constitucional, além de variadas tentativas de desqualificar as competências de seus integrantes como cidadãos.
Ocorre que no Brasil, diferentemente dos demais países da América Latina, os fatos históricos – e fatos são teimosos – comprovam estarem nossas Forças Armadas estreitamente ligadas às liberdades e à democracia, desde os primórdios da nação.
Talvez pela ausência de grupos políticos capazes de suportar o estamento institucional, ou na falta de um núcleo hegemônico na sociedade com o devido poder de influência, até o presente nossas Forças Armadas têm sido protagonistas de peso na organização política brasileira.
A circunstância peculiar dos militares brasileiros ocasionalmente tomarem para si a responsabilidade de influir nos destinos do País tem origem anterior à Independência.
Em uma época de poucas luzes, a fundação da Academia Real Militar, em 1810, proporcionou capacitação de nível superior ao Exército recém-nascido, o que garantiu a ascensão profissional dos seus quadros por mérito, e não mais apenas pela origem aristocrática.
Assim, os militares brasileiros desenvolveram condições intelectuais de maior influência política nos gabinetes do Império, cultivando as sementes das ideias democráticas americanas e europeias, que a partir daí jamais deixariam de fazer germinar, quando das crises.
Mais interessado na união nacional do que em servir a uma ideologia, ou a um caudilho, o Exército uniu-se aos políticos e forçou o Imperador D. Pedro I a abdicar em abril de 1831, dando início a uma série de intervenções patrióticas desprovidas de ambições pessoais de poder, aspecto que distingue os militares brasileiros, até hoje.
O Segundo Império conviveu com notável supremacia do poder civil e crescente profissionalização dos militares. Motivados pela recusa histórica do Exército em dividir o nosso território, eles combateram sucessivas sublevações internas e conflitos externos, para garantir a manutenção da unidade política do País.
Vitorioso na Guerra do Paraguai e desprestigiado pelo Imperador, inclusive como força política, o Exército proclamou a República em 1889, inaugurando um protagonismo nos destinos da nação que se estenderia por todo o século seguinte.
Nas primeiras décadas da República, o zelo dos militares para com o cenário político caracterizou-se pelo critério democrático de jamais promover um ditador, viabilizando inclusive o revezamento no poder de líderes civis.
Entretanto, percebendo que a política nos quartéis prejudicava o desempenho profissional e trazia sérios prejuízos para a hierarquia e a disciplina, o Exército forjou o ideal militar brasileiro em torno de um apolitismo pragmático, até hoje existente. O espírito de corpo das nossas
Forças Armadas consolidou-se no movimento tenentista do primeiro quartil do Século XX, fundamentado na concepção negativa da política, em particular da política partidária, entendida como capaz de desagregar a instituição, ser nociva à profissão e corromper o patriotismo dos oficiais.
A série de manifestos, rebeliões e intervenções dos militares brasileiros do século passado, que culminaram no movimento de 1964, comprovam essa tese, porque apresentam aspectos singulares e recorrentes, não encontrados em quaisquer eventos semelhantes vividos por outras nações.
Movidos por uma inquietação reformista capaz de realizações concretas, tendo como objetivos o aperfeiçoamento das liberdades e da democracia, nosso Exército manteve-se sempre em um contexto social coerente, e nada fez sem apoio da sociedade, por métodos exclusivamente castrenses ou visando uma supremacia militar.
Diferentemente dos currículos bem mais autoritários dos países vizinhos, nossos militares sempre deram prioridade à modernização do Estado e permanecem intransigentes quanto à ideia de entronizar-se pela força qualquer militar no poder.
As Forças Armadas continuam atentas aos clamores da sociedade brasileira, e trabalhando para conciliar o que muitas vezes se mostrou inconciliável: a democracia plena com o combate às oligarquias, ao cartorialismo e à corrupção, num país continental e herdeiro das mazelas do autoritarismo colonial português.
Na verdade, elas aprenderam a enfrentar a violência contra as instituições – ou o regime – em batalhas tais como se apresentam, e não com as ingênuas teses acadêmicas propagadas pelos românticos, ou os mal-intencionados.
Acordos públicos, pressões privadas e compromissos secretos têm se mostrado artifícios democráticos suficientes nos encargos de defesa, e na garantia da lei e da ordem.
Ciosos de seus deveres constitucionais, os militares brasileiros do Século XXI sabem que o poder militar deve sempre buscar se valer de atitudes republicanas, antes que de quaisquer precipitadas e irresponsáveis quarteladas.
Entretanto, nossa gente das armas tem perfeita consciência que não se muda unilateralmente a natureza de uma guerra – hoje combatida no campo de uma insegurança jurídica provocada por imprudência e negligência dos próprios poderes da república – e que a missão de salvaguardar as liberdades democráticas jamais pode ser descuidada.
Sim, permanece vívida chama do espírito militar brasileiro.
Por Portal Novo Norte