A ociosidade da aposentadoria me faz pensar muito, e como é mais fácil recordar do que fazer futurologia, comecei a relembrar coisas que estavam guardadas nas profundezas do cérebro e que, na maioria, não passaram de conhecimentos inúteis.
Tirando algum professor de geografia, alguém ainda lembra de Napo, Içá, Japurá, Piorini, Negro, Manacapuru, Uatumã, Nhamundá, Trombetas, Curuá, Maicuru, Paru e Jari? Eram os principais afluentes da margem esquerda do rio Amazonas. Acho que ainda devem ser, mas não garanto. Os garimpeiros podem ter entupido alguns, ou alguma hidrelétrica pode ter desviado um ou outro. Quem sabe Bolsonaro tenha mandado apagar dos mapas algum daqueles rios daquela abominável margem? Incrível foi que me recordei do nome de todos.
Já os afluentes da margem direita, talvez por subconsciência ideológica, não consegui lembrar. Juro que tentei, mas não consegui. Culpa, talvez, de Paulo Freire, Dom Helder Câmara ou dos professores “comunistas” que ainda hoje infestam as universidades brasileiras e fizeram a minha cabeça?
Passados tantos anos que fiz o exame de admissão ao Ginásio, entendo que seria exigir muito desse cérebro decadente recordar os nomes daqueles rios.
Para os mais jovens, explicarei que, entre 1931 e 1971, aquele exame era usado para selecionar os alunos que tendo concluído o ensino primário (atual quinta série) queriam ingressar no curso secundário (atual sexta série em diante). Mal comparando era exatamente como o vestibular de hoje, aplicado e sofrido pelas crianças a partir de 10 anos, idade mínima exigida para os concorrentes.
É, leitores, a minha geração fazia o seu primeiro vestibular ainda criança, usando calças curtas. Calças compridas só eram usadas pelos moleques aprovados naquele teste admissional para o curso secundário, à época conhecido como Curso Ginasial.
Hoje, eu tenho perfeita consciência de ter estudado muito para aquele exame não somente pela exigência curricular, mas, primordialmente, pelo sonho de usar as calças compridas, exigidas no uniforme escolar. Era o mais concreto e visível atestado da passagem de criança para adolescência.
Todavia, creio que me perdi nessas considerações nostálgicas e, somente agora, percebi que cometi um deslize ao exagerar dizendo não recordar os nomes dos rios da margem direita. Errei, sim, pois eu me recordo de alguns rios daquela margem. Alguns deles eu até tive o privilégio de conhecer presencialmente. Lembro muito bem dos rios Juruá, Coari e Tefé onde, num passado distante, trabalhei na exitosa busca de petróleo para que, agora, alguns neófitos no assunto queiram entregá-lo ao capital privado, sem os riscos técnicos ou empresariais que a Petrobras enfrentou.
Escrevi privilégio por conhecer aqueles rios, não apenas por eles, mas porque é assim que considero conhecer a Amazônia. Aquela região, aqueles povos, aquela natureza, seus rios e igarapés, suas árvores, frutas, mamíferos, peixes e pássaros são deslumbrantes e apaixonantes. Aqui eu me permito plagiar o genial Dorival Caymmi e perguntar:
“Você já foi à Amazônia, nêga?
Não.
Então vá!”
Talvez essa admiração por aquela parte do Brasil venha da admiração e carinho que tenho pelos primos paraenses, ou seja fruto da inesquecível experiência que tive ao viver por três semanas no interior da floresta do Amapá, quase fronteira com a Guiana Francesa.
Mas, essa é outra recordação que algum dia contarei.
Por: Alfeu Valença – Original do Portal Tempo Real