Dificuldade de relacionamento é igual a coceira, todo mundo tem. Sorte daqueles mais afortunados que se ‘atritam’ apenas com uma pessoa. Em alguns casos essa dificuldade é generalizada, relacionar-se em si já é penoso. Mas cabe uma ressalva: quando a dificuldade é com o chefe, um filho, ou a sogra, então a ‘jiripoca’ pia alto. No primeiro caso, o dito cujo você encontra todos os dias durante oito horas no local do seu ganha-pão. Quando é um dos filhos, aí minha nega, pega na veia. Dói demais. Não adianta ele estar longe, o desconforto é interno e nos acompanha em cada momento do dia, não sossega de doer. A sogra, quem tem uma sabe.
É uma personalidade que se interpõe entre você e seu marido (ou esposa), você e seus filhos. Arrasta o neto preferido para a casa dela e de quebra fisga o seu marido quando ele está voltando do trabalho e o convida para jantar. Existe solução? Ou é destino? Um pouco de cada um, acredito eu. Destino cabe aqui porque embora você escolha o marido, a sogra você não escolhe, vem de contrapeso (o pedaço de músculo que sempre vem junto com o lagarto que você comprou). E aí?
A verdade é bonita e deve ser dita: já é tempo de abandonarmos a velha ilusão de uma vida rolando redondinha e com todos os relacionamentos favoráveis. A maioria das relações inviáveis é um campo fértil para a nossa transformação pessoal. Em geral, apontam para a necessidade de uma mudança, por vezes a necessidade de uma separação. De fato, na maioria das vezes espelham a nossa pior versão. Talvez por essa razão sejam relacionamentos que fazem ‘muito barulho’, para nos distrair dessa visão imperfeita, na qual preferimos nos furtar.
Vou abrir aqui uma exceção: algumas pessoas simplesmente não podem retirar de sua vida o alguém que é obstáculo à sua felicidade. Discordo de alguns colegas que têm a opinião de que faz parte do crescimento do paciente ao longo do tratamento psicoterápico, conseguir afastar a pessoa nociva da sua vida. Na minha opinião, nem sempre é este o caso. Na cena da violência doméstica, a vítima sabe que uma vez indo embora, corre o sério risco de ser assassinada. O agressor não suporta ser abandonado, perder o controle do seu objeto de tortura.
Quando o discípulo está pronto o mestre desaparece. É isso aí mesmo, o outro mais próximo é o nosso mestre mais importante. Quando abandonamos aquela velha e inútil queda de braço, e deixamos o outro ganhar, a paz finalmente virá nos visitar. Enfim, nosso bem-estar tornou-se mais importante do que nos vingar da crueldade alheia sobre a nossa vida. Partindo desse ponto, nos tornamos mais silenciosos em nossos contatos doentios. Observamos mais do que reagimos. É possível até que ocorram relances de compaixão pelo outro, protagonista da sua aflição. Finalmente, descansamos dentro de nós mesmos e passamos a usufruir o que de bom existe em nossa vida, por menor que seja. Rescindimos o aluguel que a pessoa fazia em nossos pensamentos. Somos livres para sofrer ou não, inclusive livres para escolher as pessoas que desejamos mais perto em nossa vida. A boa notícia é que esses relacionamentos difíceis, existem exatamente durante o tempo que precisamos para obter coragem suficiente para ir embora.
* Humbelina Grilo G. Mattos – escritora macaense