“Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho” – Clarice Lispector
Então, você descobre que sua empresa está em crise. Também descobre que a crise tem a capacidade de restringir os recursos e ampliar as demandas, deixando assim a gestão muito complicada.
Neste momento, as companhias que cultivam a cultura da simplicidade levam uma vantagem significativa sobre as que não nutrem estes valores. Trata-se de uma cultura na linha dos hábitos japoneses, onde o “lean”, o “clean” e o que “não tem não quebra” são valores muito desenvolvidos. O ato de desapegar dos pequenos luxos, mas grandes geradores de problemas, é uma das atitudes das mais dolorosas de serem efetivadas nas grandes crises.
É o funcionário que prepara o jornal da empresa, o colaborador do marketing que gerencia a mídia no ponto de venda de grandes supermercados, o especialista em leitura de pesquisas de mercado, o reconciliador do ativo fixo, o advogado especializado na defesa das marcas, o comunicador interno, o analista de custos para um tipo de unidades de produção, etcetera.
É obvio que em algum momento aquele funcionário, aquele processo, aquele produto, foi necessário para o negócio, porém, é preciso entender claramente que agora os recursos são menores e a capacidade da companhia em manter toda uma estrutura montada para a época de vacas gordas, não pode ser mantida na época das vacas magras. Até porque muitas das coisas que faziam sentido antigamente, agora não fazem mais.
Em uma empresa em crise, todos sabem que as coisas não deveriam andar da mesma maneira. É difícil alinhar o discurso junto aos fornecedores, funcionários e mesmo com os bancos. Quando a companhia não está conseguindo pagar as matérias-primas, mas insiste em publicar um jornaleco onde aparecem fotos de uma feliz entrega de prêmios, com festa e tudo, onde está o equilíbrio que deveria haver dentro da entidade? O funcionário sabe que se não entra matéria-prima pela porta da fábrica, mais cedo ou mais tarde, não sairá o seu salário pela mesma porta. Com isso, torna-se mais complicado os colaboradores entenderem campanhas de participação, festas e brindes por contas de campanhas motivacionais, que não estão em alinhamento com o que todos acham adequado.
Assim, uma das primeiras atitudes de um bom gestor, quando percebe que a crise se desenrola e que a situação tende a se agravar, é dar fim a todas as funções não prioritárias. Caso as coisas melhorem, terá a oportunidade de chamar todos de volta, mas enquanto essa certeza não estiver presente, a regra é simplificar.
O pessoal da Toyota está sempre tentando fazer um carro com menos peças. Há uma relação direta entre o número de peças em uma máquina e a complexidade em se manter este mecanismo funcionando. Automóveis mais duráveis são mais valorizados no mercado, logo um dos objetivos da Toyota é fazê-los cada vez melhores, mas sempre com um número de elementos menor que o da concorrência. Não é por acaso que eles possuem excelentes índices de qualidade e uma coleção de consumidores fiéis. A peça que não está lá, não pode quebrar.
No nosso caso, estamos falando de funções e processos que se não estiverem lá não poderão dividir nossas prioridades, recursos, atenção e tempo.
* Flávio Ítavo, especialista em turnaround (recuperação de empresas)