Faleceu, na manhă deste domingo (19), por volta das 10h30, o jornalista Jourdan Amóra, diretor do Jornal A TRIBUNA. Ele estava internado no Complexo Hospitalar de Niterói (CHN) há cerca de duas semanas. A causa da morte foi falência múltipla dos órgãos.
Apaixonado pela notícia, inquieto por natureza e fiel à palavra impressa até o fim, Jourdan Amóra transformou o ato de informar em forma de resistência e amor à cidade. Nascido em Araçuaí, norte de Minas, criado entre Petrópolis, São Gonçalo e Niterói, cercado por ideias libertárias, ele foi mais do que um jornalista – foi o repórter da própria vida. Alma, papel e tinta de A Tribuna e Jornal de Icaraí, voz incansável da imprensa fluminense, Jourdan Amóra atravessou censuras, prisões, revoluções tecnológicas e crises políticas sem jamais abandonar o verbo lutar. De estudante curioso a símbolo da liberdade de imprensa, sua trajetória confunde-se com a própria história de Niterói – uma cidade que ele ajudou a pensar, reinventar e escrever.
“Liberdade de imprensa é direito do povo. Jornalismo independente é conquista do leitor” (Jourdan Amóra) 1938-2025
O homem que transformou a notícia em destino
Apaixonado pela palavra e movido por uma curiosidade que atravessou décadas, Jourdan Norton Wellington de Barros Amóra fez da imprensa não apenas uma profissão, mas uma forma de estar no mundo.
Nascido em Araçuaí, no norte de Minas Gerais, em 6 de maio de 1938, e criado em Niterói, ele foi repórter, editor, empresário, militante e – acima de tudo – um amante do jornalismo.
Mais do que registrar os fatos, Jourdan buscava compreendê-los. Mais do que publicar notícias, desejava transformá-las em instrumentos de consciência e cidadania.
“Enquanto houver cidade, haverá pauta – e enquanto houver pauta, haverá Tribuna”, costumava dizer.
As origens e o despertar da vocação
Filho do cearense Geographo Barros Amora e da mineira Maria Neiva Tanure Amora, cresceu entre livros, histórias de militância e o rumor das tipografias.
Ainda adolescente, aluno do Liceu Nilo Peçanha, descobriu o prazer de escrever quando o professor Geraldo Reis pedia dissertações a partir de imagens – exercício que viria a definir seu olhar jornalístico: o de ver além da superfície.
Aos 14 anos, fundou o jornal Praia das Flechas, voltado à vida social do bairro. Em pouco tempo, o periódico evoluiu para a Folha Juvenil, primeira experiência de um repórter que ainda não sabia que passaria a vida inteira em busca de manchetes.
Foi também nesse período que participou do movimento estudantil, presidiu a Federação dos Estudantes Secundários de Niterói (FESN) e editou o jornal A Voz da FESN, consolidando a crença de que jornalismo e cidadania são inseparáveis.
Batismo de fogo: entre pautas e censuras
O início na imprensa profissional coincidiu com um Brasil em efervescência política.
Nos anos 1950, Jourdan escreveu para A Palavra, Diário do Povo e Diário do Comércio, além de assinar reportagens para as sucursais fluminenses de Última Hora, Diário Carioca e Jornal do Brasil.
Logo, foi reconhecido pela coragem de enfrentar temas espinhosos e pela habilidade em unir rigor e humanidade.
Dele se dizia que “não havia pauta impossível”. Foi assim no episódio do leprosário Tavares de Macedo, em Itaboraí, quando se voluntariou para entrar onde os veteranos hesitavam, e também na cobertura do incêndio do Gran Circo Norte-Americano, em 1961 – tragédia que marcou sua vida e a história de Niterói.
A Tribuna: um sonho em linotipo e coragem
Em 1965, após ser demitido do Jornal do Brasil sob acusação de “subversão”, Jourdan decidiu transformar um sonho em resistência: comprou o modesto diário A Tribuna, então o menor entre sete jornais de Niterói.
A redação era pequena, a estrutura precária, mas a vontade de fazer jornal era imensa.
Em poucos anos, transformou o periódico em símbolo de independência e combatividade, ampliando sua tiragem, modernizando a gráfica e formando gerações de jornalistas. “A Tribuna ensinou Niterói a fazer jornal”, diria mais tarde.
A trajetória, no entanto, não se fez sem riscos. Em 20 de abril de 1972, após uma série de denúncias contra o governo Padilha, Jourdan foi preso na própria redação por agentes da DOPS.
A capa do dia seguinte, estampando apenas a palavra “Libertas…”, tornou-se um marco da resistência da imprensa fluminense.
Inovador, empreendedor, visionário
Além de repórter e editor, Jourdan foi também empreendedor de ideias.
Em 1972, criou o Jornal de Icaraí, primeiro gratuito distribuído porta a porta em Niterói, revolucionando o conceito de imprensa de bairro.
Depois vieram a revista Tela (1983) e o semanário A Tribuna de São Gonçalo (1990).
Sempre à frente do tempo, foi pioneiro na implantação do sistema “ofício-set” e na defesa da modernização tecnológica da imprensa do interior.
À frente da Associação Brasileira de Jornais do Interior (Abrajori), percorreu o país mobilizando editores e defendendo o acesso democrático à informação.
O repórter da cidade
Nenhum outro jornalista se confundiu tanto com a cidade quanto Jourdan Amóra.
Dele vieram propostas que moldaram o cotidiano urbano: o alargamento da Marquês do Paraná, as linhas de barcas para São Francisco, e a luta contra a fusão entre Guanabara e Estado do Rio, que previa o apagamento político do interior fluminense.
Para Jourdan, jornalismo não era apenas relato, mas projeto de cidade.
Jornalismo é a vanguarda do pensamento social”, repetia – frase que se tornou lema em suas redações.
Família, perdas e fidelidades
Companheiro da professora Eva de Loures Amóra, com quem se casou em 1972, viveu ao lado dela o que chamava de “a mais longa e leal redação da vida”. Tão longa e duradoura que transcende o tempo e a vontade de Deus. Em 9 de setembro deste ano, Eva nos deixou e agora, pouco mais de um mês depois, Jourdan foi a seu encontro, como não poderia deixar de ser.
Os filhos, Gustavo e Luis Jourdan,
cresceram entre manchetes e bobinas de papel, herdeiros da mesma paixão pelo ofício.
Nos momentos de crise, foi a família quem sustentou o sonho – literalmente. O salário de Eva muitas vezes pagou o jornal quando o caixa secava.
“Ela era a âncora e o farol, dizia ele. Sem ela, talvez A Tribuna não tivesse resistido.”
Um legado que resiste ao tempo
Jornalista, empreendedor, cronista de Niterói e defensor incansável da liberdade de expressão, Jourdan Amóra deixou mais do que um arquivo: deixou uma escola.
Formou repórteres, inspirou leitores e ensinou que a coragem pode caber numa manchete de 36 pontos.
Seu nome está inscrito na história da comunicação fluminense e em cada edição de A Tribuna, que continua a circular como ele queria: independente, inquieta e fiel ao leitor.
No final da vida, quando perguntado se ainda havia algo a lutar, Jourdan evocou o velho amigo Mário Dias:
“Vamos continuar lutando, Jourdan?”
E respondeu com o gesto que o definiu: publicando.
“Enquanto houver cidade, haverá pauta. E enquanto houver pauta, haverá Tribuna.”
– Jourdan Amóra









