OPINIÃO

E as aulas de História? Eu adorava.

A minha infância foi vivida em uma cidade pequena do Nordeste, numa época em que as tecnologias, mesmo as mais rudimentares, nunca chegavam por lá. Nada existia que pudesse ser comparado às atuais corriqueiras modernidades de comunicação. Televisão, jornais, revistas, cinemas, para nós, eram coisas semelhantes às ficções de Júlio Verne. Nem telefones fixos nós conhecíamos. Livros, sim. Ah, os livros foram a nossa salvação! Eles foram os responsáveis por muitas gerações de matutos leitores, cultos, e até geraram alguns renomados escritores: Zé Lins do Rêgo, Graciliano e Ariano Suassuna, são exemplos.

Ah, os livros! Esses, até hoje, atualíssimos instrumentos de difusão cultural, só entrariam na minha vida quando, aos 14 anos, descobri a pequena biblioteca municipal. Antes disso, eram as aulas de História que nos permitiam sonhar e criar em nossas mentes infantis as imagens dos fatos e personagens históricos. Onde hoje a garotada vê os super-heróis da Marvel, nós colocávamos os reis, imperadores, generais e revolucionários dos livros de História Geral e do Brasil.

Influenciado por minha mãe, professora apaixonada pela matéria, fiz meus heróis com os seus personagens preferidos, como Leônidas, rei de Esparta, que no desfiladeiro das Termópilas, ao ouvir o inimigo Xerxes dizer que enviaria flechas suficientes para tapar a luz do sol, respondeu ao persa: “Tanto melhor, combateremos à sombra”. Lindo, não? Pois é, lindo e inútil. À sombra, Leônidas foi derrotado e morreu com todos os seus soldados.

Outro derrotado que adotei como herói foi o Adrien Hanspater, almirante holandês que, ao perder para a esquadra luso-espanhola a batalha naval de Abrolhos, também conhecida como batalha naval de Pernambuco, em 12 de setembro de 1631, evitou ser preso jogando-se ao mar enrolado na sua bandeira, bradando: “O oceano é o único túmulo digno de um almirante batavo”.

Claro que Tiradentes povoou o meu imaginário infantil e tornou-se o meu mais querido e admirado personagem histórico. Herói genuinamente nacional, tinha seu favor o fato de querer nos libertar “do jugo português”. Eu não sabia o que era jugo, mas achava linda aquela sentença. Mas Tiradentes, como todos sabem, perdeu a sua luta e foi enforcado e esquartejado pelo tal jugo.

Pois bem, só bem mais velho me dei conta que os todos os meus personagens históricos preferidos foram perdedores.

Quem sabe essa preferência infantil pelos derrotados tenha influenciado na minha admiração por Darcy Ribeiro:

Fracassei em tudo o que tentei na vida.

Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.

Tentei salvar os índios, não consegui.

Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.

Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são as minhas vitórias.

Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.

Era um craque esse Darcy, não?

Por tudo isso, às vezes, eu penso que, com essa minha admiração derrotista, eu deveria ter nascido em São Paulo, onde se faz festa e feriado, anualmente, a cada 9 de julho, comemorando uma derrota. Aquela que sofreram na Revolução Constitucionalista de 1932.

Por: Alfeu Valença
Ex-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET Consultoria e Engenharia de Petróleo.
Alfeu assina a coluna no site https://temporealrj.com/alfeu/