Livro de terror aborda genocídio dos Goitacazes

O aguardado livro Baluartes – Terra Sombria, do jornalista e pesquisador Clinton Davisson, será lançado em Macaé no dia 12 de setembro, às 19h, na Associação de Capoeira Raízes de Aruanda, no bairro Sol Y Mar. A obra, que já conquistou indicações em prêmios como Aberst, Jabuti, Argos e Odisseia, entrelaça eventos históricos e folclore brasileiro em uma narrativa de terror ambientada no Brasil Colônia do século XVIII.Davisson, que morou na região por 15 anos, revela que sua experiência em Macaé influenciou profundamente a criação do livro. “Durante meu período na região, conheci a trágica história dos Goitacazes, um povo indígena cuja história de genocídio é crucial para a compreensão das raízes de nossa nação. Quando trabalhei na Fiocruz, lidando com a crise dos Yanomami, a lembrança dos Goitacazes trouxe à tona memórias inquietantes que se refletem no enredo do livro”, comenta o autor.Baluartes – Terra Sombria acompanha três jovens de diferentes etnias que ajudaram a formar a identidade brasileira, convocados por uma misteriosa sociedade secreta, os Baluartes, para investigar seres da mitologia nacional como o Saci e o Boitatá. A história, que mistura precisão histórica, terror, aventura e humor, também traz à tona personagens como Tiradentes e Napoleão Bonaparte.O escritor norte-americano Christopher Kastensmidt, finalista do prêmio Nébula, elogia a obra de Davisson: “Com habilidade, o autor nos conta a história da origem e formação do trio improvável de Tŝahi, Akim e Luís, três ‘titãs’ caçadores de monstros no melhor estilo Van Helsing. Neste momento em que nosso mundo está tão dividido, é bom imaginar um onde trabalhamos juntos para vencer os monstros que enfrentamos todos os dias.”O lançamento do livro também inspirou um projeto de série para streaming, que busca explorar a riqueza cultural do Brasil, abordando temas como racismo, escravidão e genocídio de indígenas. “O trabalho de Clinton tem um grande potencial porque, além de utilizar personagens da mitologia brasileira, envolve uma profunda pesquisa histórica e a discussão de temas relevantes”, afirma o diretor Helvécio Parente, da produtora Escaravelho Filmes.Baluartes – Terra Sombria é fruto de 12 anos de pesquisa e promete não apenas entreter, mas também oferecer uma reflexão sobre a formação da identidade nacional brasileira através de uma narrativa envolvente e instigante.Entrevista:Como a história dos Goitacazes e sua experiência em Macaé influenciaram diretamente a trama de “Baluartes – Terra Sombria”?Como jornalista, eu tive muito contato com a história de Macaé, principalmente coma historiadora Conceição Franco, que me contou sobre Motta Coqueiro e Carukango. O Carukango, por exemplo, está sendo inspiração para a continuação do Baluartes que deve sair ano que vem. Minha experiência como repórter de polícia, também influenciou muito, porque Baluartes também é um livro sobre solução de mistérios e investigação.Qual foi o papel da mitologia brasileira, como o Curupira e a Cuca, na construção da narrativa de terror do seu livro?A Cuca é a grande vilã deste primeiro livro. Ela é uma lenda de origem portuguesa, existe deste era medieval, uma espécie de Bicho Papão português. Ela podia ter cabeça de abóbora ou de dragão. Os curupiras também têm um papel muito importante. Os leitores falam que eles são a coisa mais assustadora no livro. Quando eu era criança, minha vizinha contava histórias do folclore brasileiro para me assustar. Morria de medo do Saci. Este livro é um resgate dessas lendas como terror, para dar medo. Como você equilibrou precisão histórica e elementos de ficção em uma narrativa ambientada no Brasil Colônia?Foi preciso fazer muita pesquisa. Fazer pesquisa histórica no Brasil é muito mais complicado, porque não se acha facilmente as coisas na Internet. Muitas vezes tenho que ir ao local para pesquisar. Por isso demorou tanto para sair. Porque a história do Saci que vai sair no próximo livro, precisava ir em Juiz de Fora e Ouro Preto. Para este livro, fui até a cidade de Ibitipoca, também em Minas Gerais. Não consegui ir a Campos dos Goitacazes, mas consegui apoio da historiadora Grazi Escocard, que é diretora do Museu Histórico de Campos. Sem esse apoio, o livro ainda estaria parado. Eu queria que tudo tivesse uma exatidão histórica muito correta. Assim, Tiradentes está com a idade certa em 1780, as roupas estão corretas, a comida, as espadas, com todo perfeccionismo que só um autista pode ter.Pode falar sobre a escolha dos personagens históricos como Tiradentes, Mozart e Napoleão Bonaparte na trama e como eles interagem com os elementos de terror?Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes faz uma participação especial em uma história do livro, vai lembrar muito dos fan services dos filmes recentes da Marvel, mas ele vai ser um dos protagonistas do próximo livro junto com Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Como uma parte do livro se passa na Europa, eu pude colocar Napoleão, que na época é um menino de 11 anos quando a história se passa, em 1780. Ele aprende a jogar xadrez com o Luis Monteiro, que é um dos personagens principais. E Mozart já participa bem ativamente da história, quando os Baluartes tentam solucionar um mistério de um castelo assombrado na Itália. Muitos leitores colocaram Mozart como um dos personagens preferidos. Eu fiz uma homenagem ao filme Amadeus, de 1984. Como ele tem apenas 23 anos em 1780, ainda era conhecido como Johannes Mozart. A história dá uma versão de como ele compôs uma de suas músicas mais famosas, Eine Kleine, e como ele adotou a alcunha de Amadeus. A ideia é sempre misturar os elementos históricos de forma mais verossímil possível, lembrando sempre que é uma história de fantasmas e assombrações, portanto, precisamos ter muitas licenças poéticas, mas eu trabalho nas lacunas, porque Mozart realmente poderia estar viajando entre Gênova e Turim naquela época e a doença de Aleijadinho nunca foi realmente explicada, então, por que ela não pode ter sido o resultado de uma batalha contra a Cuca quando ele ainda era um soldado no Rio de Janeiro? Assim, podemos ser criativos, sem para isso ter que torcer e distorcer a história como se fosse uma roupa na máquina de lavar. Nunca quis que o livro fosse um documento histórico, mas com certeza é algo que os professores de história vão gostar de ler e recomendar aos alunos.Qual foi o maior desafio ao escrever um livro que aborda temas sensíveis como racismo, escravidão e genocídio de indígenas?O maior desafio de falar de racismo é porque as pessoas têm medo de falar sobre isso. É um problema histórico. Quando houve a Abolição em 13 de maio de 1888, queimaram os arquivos, destruindo a identidade de milhares de escravos. Acham que a melhor forma de resolver o problema é não falar sobre o assunto. E se falar, tentar esconder as partes incômodas. Na Alemanha se aprende na escola desde cedo sobre o que foi o nazismo, sobre o mal que isso causou a nação e como este tipo de coisa não pode voltar nunca. Se tivessem feito um museu da Ditadura Brasileira, por exemplo, não correríamos o risco de ouvir gente dizendo que ela não existiu. O genocídio dos Goytacazes também é algo que os historiadores lutam para que não seja esquecido, pois se esquecermos da parte ruim da nossa história, corremos o risco de revivê-la novamente.O que o inspirou a criar a sociedade secreta dos Baluartes e como ela se conecta com os eventos históricos e mitológicos do Brasil?Os livros do Bernard Cornwell foram uma grande inspiração porque ele mostrou que poderíamos fazer ficção sem abrir mão da precisão histórica. Mas os Baluartes são jovens com poderes e armas especiais que combatem as forças das trevas, aí não tem como negar que pelo menos dois desenhos animados foram determinantes na construção deste mundo imaginário, o Scooby Doo e Caverna do Dragão. A dinâmica dos personagens, principalmente nas lutas deve muito a minha infância assistindo Caverna do Dragão na TV. Tenho certeza de que quem é fã de Caverna do Dragão, vai amar os Baluartes.O recente sucesso no Streaming de Cidade Invisível serviu de inspiração?De forma alguma. Cidade Invisível estreou em 2021. O Baluartes está registrado na Biblioteca Nacional desde 2012. Em 2013 lancei o livro Brasil Fantástico – Lendas de um país sobrenatural, que envolvia vários contos sobre saci, curupira, Boitatá, e outros seres do folclore nacional. Acho que a inspiração veio de Monteiro Lobato e do romance do escritor Roberto Causo, A Sombra dos Homens, de 2004. Mas sobre a série, eu acho sensacional. Estou ansioso pela próxima temporada. Cidade Invisível ajuda a divulgar o folclore brasileiro de uma maneira que foge das histórias infantis. Isso com certeza deve ter ajudado bastante na aceitação do Baluartes. Meu amigo, Roberto Causo, autor de A Sombra dos Homens, conta que sofreu muito preconceito quando lançou seu livro, porque tinha um indígena como protagonista e monstros do folclore brasileiro como o Boitatá. Quem realmente abriu as portas foi o norte-americano, Christopher Karstersmidt, que também é um grande amigo e que fez e faz sucesso lá fora ao publicar histórias do folclore nacional em inglês, chegando a ser indicado para premiações muito prestigiadas, mas não duvido que parte da boa aceitação de Baluartes também seja graças ao êxito de Cidade Invisível, que é sucesso não só no Brasil, como também em diversos países.