Pesquisa brasileira avaliou a alimentação de 2.572 ex-estudantes vinculados a sete universidades mineiras por meio de um questionário sobre 144 alimentos
A relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o desenvolvimento de doenças crônicas é bastante conhecida – não há dúvidas de que uma dieta desregrada pode levar ao surgimento de hipertensão arterial, obesidade, diabetes, entre outros problemas de saúde. Agora, um novo estudo alerta que pessoas que consomem alimentos ultraprocessados em excesso têm um risco 82% maior de desenvolver depressão em comparação com aquelas que se alimentam de maneira mais saudável.
A conclusão é de uma pesquisa de doutorado realizada no Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os resultados foram publicados no Journal of Affective Disorders, a revista oficial da Sociedade Internacional de Transtornos Afetivos.
Para chegar aos resultados, a nutricionista Arieta Carla Gualandi Leal, responsável pelo estudo, avaliou a alimentação de 2.572 ex-estudantes vinculados a sete universidades mineiras por meio de um questionário padronizado. Esses estudantes compõem um grupo que é acompanhado pelos pesquisadores desde 2016, a cada dois anos. Além de saber sobre o consumo, o questionário avalia também se houve o desenvolvimento de alguma doença nesse período bianual.
Os voluntários tiveram que responder a um questionário sobre seus hábitos diários de consumo de 144 tipos de alimentos, os quais foram divididos em quatro categorias: in natura; ingredientes culinários (como óleo, sal e açúcar); alimentos processados; e, por último, os ultraprocessados. Os alimentos ultraprocessados incluem biscoitos recheados, bolos, macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote, refrescos, entre outras guloseimas.
Segundo a nutricionista, as questões incluíam perguntas sobre o consumo do determinado alimento, a frequência (diária, semanal, mensal ou anual) e o tamanho da porção (pequena, média ou grande). Para auxiliar nas respostas e reduzir a possibilidade de erros, ela incluiu um álbum fotográfico com 96 imagens para orientar os respondentes. Por exemplo, se a pessoa diz que come duas colheres de arroz por dia, o questionário ilustra diferentes tipos de colheres para que ela possa especificar o tamanho da porção: seria equivalente a uma colher de sopa? De sobremesa? De pegar arroz?
A partir dessa coleta, os dados foram tabulados e variáveis como sexo, idade, frequência de atividade física e consumo de álcool foram isoladas para evitar interpretações erradas. Os pesquisadores dividiram os voluntários em grupos de consumo baixo, moderado e alto de alimentos ultraprocessados, constatando que entre aqueles que mais consumiam esse grupo de alimentos diariamente (entre 32% e 72% das calorias diárias), o risco de desenvolver depressão ao longo da vida era de 82%, em comparação com o grupo que consumia menos produtos ultraprocessados.
A pesquisa também constatou que, entre os voluntários que consumiam mais alimentos ultraprocessados diariamente, a incidência de novos casos diagnosticados de depressão era maior do que entre aqueles que se alimentavam melhor. “Em quatro anos de estudo, observamos que a prevalência de depressão entre os participantes aumentou 9,56%. É um índice muito alto para um curto espaço de tempo”, afirmou a nutricionista.
Doença multifatorial e neuroplasticidade
A depressão é uma doença multifatorial – não há uma única causa e sim um conjunto de fatores associados que levam uma pessoa a desenvolvê-la. Entre as hipóteses levantadas pela pesquisadora para justificar os achados, estão o fato de os alimentos ultraprocessados serem pobres em vitaminas, minerais, fibras e nutrientes importantes para o funcionamento do organismo como um todo. E são produtos ricos em gorduras saturadas, corantes, aditivos químicos e outros ingredientes que fazem mal à saúde.
“Geralmente, quem consome mais esses alimentos costuma ter um estilo de vida mais corrido, menos saudável, com menos atividade física e dorme menos. São fatores que impactam também na saúde mental”, avalia a nutricionista.
Segundo Alfredo Maluf, coordenador da Psiquiatria do Hospital Israelita Albert Einstein, a ciência já vem observando o impacto dos alimentos no desenvolvimento da depressão e de outros transtornos mentais – eles parecem influenciar em fatores inflamatórios, que podem piorar o quadro.
Maluf explica que, nos pacientes com depressão, ansiedade, transtorno bipolar ou esquizofrenia, algumas regiões cerebrais estão inflamadas. Essa inflamação diminui a neuroplasticidade do cérebro, ou seja, a capacidade de ele se tornar mais saudável e funcionante. “Isso tem relação com os neurotransmissores, que são como hormônios/substâncias [serotonina e aminas] que carregam as informações e controlam determinadas áreas cerebrais, entre elas, o humor e a afetividade”, disse.
De acordo com Maluf, existem alimentos que têm ação antioxidante e, por isso, promovem naturalmente o aumento de serotonina e substâncias pré-aminas circulantes no organismo. Entre eles estão os cereais, as oleaginosas, as verduras e as proteínas (carne e peixe). “Os alimentos mais orgânicos, mais naturais, aumentam esses extratos para termos uma produção de substâncias importantes para o bom desenvolvimento cerebral. Se a gente consome produtos industrializados em excesso, como esse trabalho aponta, esse alimento não promoverá o aumento dessas substâncias, pelo contrário. Essas conexões ficam deficitárias e, por isso, aumenta o risco de depressão”, disse.
O psiquiatra ressalta que o processo todo é muito complexo e não basta mudar a alimentação para evitar ou tratar a depressão. “Você não consegue tratar a depressão só com atividade física ou só com alimentação saudável. São vários fatores que beneficiam e protegem a saúde: atividade física, alimentação saudável, boa qualidade de sono”, afirmou.
Ajuste na alimentação
A pesquisa aponta que no topo da lista dos produtos ultraprocessados mais consumidos diariamente pelos voluntários estão o chocolate, seguido dos refrigerantes, pães de forma, cachorro-quente/hambúrguer e margarina. Todos são alimentos muito comuns na alimentação dos brasileiros, e a nutricionista responsável pelo estudo ressalta que eles não precisam ser totalmente descartados das refeições – basta consumi-los de forma adequada.
“É importante destacar que o consumo de um alimento isolado não causa depressão. É o conjunto de alimentos e a quantidade que se come que aumenta o risco. A dica é: na hora de escolher um pão de forma, prefira os que são mais próximos do integral. Os rótulos das embalagens possuem essa informação. Quanto mais integral for o produto, maior a quantidade de fibras e nutrientes”, explicou.
Segundo a pesquisadora, a qualidade da margarina melhorou bastante nos últimos anos, mas a manteiga ainda é melhor para a saúde. “Mas é preciso ficar atento à quantidade que passamos no pão porque a manteiga também é gordura e ela pode ter um impacto no perfil lipídico e no peso da pessoa”, disse. Sobre o chocolate, ela ressalta que mesmo aqueles que possuem maior concentração de cacau têm bastante gordura e, por isso, o ideal é controlar a quantidade. “Não coma uma barra inteira. Se não conseguir deixar o chocolate de fora, consuma dois a três quadradinhos.”
De acordo com a pesquisadora, apesar de os resultados envolverem uma população específica, eles podem servir como base para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao incentivo da redução do consumo desses alimentos e para mais controle na regulação da produção desses produtos.
Por: Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Fonte: Agência Einstein