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As ocupações da vida

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Num dos meus diálogos filosóficos vi nascer uma brilhante intuição de uma pessoa que estava participando. Nós conversávamos sobre o tema “Cuidar de Si”. Este tema foi abordado na semana passada numa outra matéria, também. Conversávamos sobre o trabalho de Sócrates que instigava as pessoas a pensarem como ocupam suas vidas, como cada um ocupa a sua própria existência. Conforme o que vimos no nosso último encontro ocupar-se de si será o movimento de avaliação permanente dos seus desejos, pensamentos e sentimentos. Em geral, as pessoas dizem que se ocupam com inúmeras coisas que têm relação com elas mesmas. Por exemplo, ocupam-se com o corpo, fazendo ginástica, com a alimentação, com os amigos, com o trabalho. Claro que tudo isto é uma forma de ocupar sua vida com situações que ampliam a realidade existencial de cada um. No entanto, o projeto de Sócrates queria mais! Ocupar-se de si será poder pensar e avaliar a relação que temos com nossos pensamentos, desejos e emoções.

Ao término desta paisagem conceitual um participante dos diálogos filosóficos disse: “Acho que as coisas da vida me ocupam…”. Esta idéia nasceu como num raio, como num relâmpago intuitivo que vem nos abrir os olhos, os sentidos sobre a nossa posição na relação com a vida, com as coisas da vida, com o mundo que nos afeta e nos envolve permanentemente.

Por vezes escuto as pessoas dizendo: “Ah… o tempo está passando tão rápido…”. O tempo não está passando mais rápido. Nós é que somos tomados por inúmeras situações, no nosso dia a dia, preenchendo o tempo com inúmeras atividades numa velocidade tremenda! Considerando as tecnologias de informação que produzem informações em tempo real, nos envolvendo o tempo todo com notícias, com emails, com propagandas, a vida nos envolve de tal forma que não temos o tempo para o ‘cuidado de si’. Outras pessoas dizem: “Não há tempo para pensar, para avaliar os encontros que tive no dia…”. Esta afirmação nos aponta para a posição de deriva que as pessoas vivem! Não avaliam de onde vieram, onde estão e para onde irão! Vivem a vida como um barco sem direção!

Claro que existem pessoas que avaliam bem seus negócios, seus projetos financeiros! No entanto, não é comum uma avaliação, um olhar sobre suas relações. Considerando que os efeitos das suas relações estão em seus pensamentos, sentimentos e desejos. Nós levamos os nossos encontros conosco. De maneira invisível nós carregamos uma multidão de pessoas e de acontecimentos em nós. Isto pode ser verificado quando se senta numa poltrona confortável para escutar uma música e uma profusão de imagens do passado e do futuro emergem no presente. O presente não é percebido como presente, pois, ele é preenchido por imagens do passado e do futuro. O passado e o futuro se tornam o presente de quem não consegue governar esta multidão de imagens, sons de palavras que ficam reverberando na mente e emoções que acompanham toda esta experiência.

Podemos nos escravizar com tantas imagens, tantas questões que não ganham a direção da vida. Podemos viver uma vida manicomializada em tantas imagens e em muitas situações que não encontram resolução. Desenvolver a capacidade de cuidar de si será, por sua vez, orientar-se na identificação daquilo que é importante a cada momento. Saber identificar o que é pertinente e aquilo que não é. Será orientar-se e buscar dar forma às coisas que estão disponíveis no momento para serem vividas. Talvez o caminho da simplicidade seja o passo inicial. Buscar identificar o que pode ser resolvido a cada instante. De pouco a pouco a vida começa a ganhar outras formas e aquilo que antes era considerado impossível, talvez comece a se desenhar como possível. Dando pequeninos movimentos na direção da vida e ocupando-se com aquilo que pode ser realizado.

Ocupar-se consigo, avaliando os pensamentos, desejos e sentimentos que nascem dos seus encontros será poder despertar do sono profundo de olhos abertos vivido em meio às tantas obrigações e afazeres. A prática de ocupar-se de si era uma forma de cultivar a si mesmo para, com efeito, poder contribuir, por sua vez, com os outros – para que estes possam também despertar do seu sono profundo em vida e, por conseguinte, poder contribuir no cuidado da cidade: esta prática fazia parte da formação da cultura grega antiga!

Abraços

Paulo de Tarso

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