O que é necessário para você? Aquilo que você faz, aquilo que você realiza em sua vida, é realmente necessário? O quanto você se ocupa com situações que não fazem mais sentido em sua vida? O quanto você mantém relacionamentos por comodidade, por hábito?
Temos necessidade de nos alimentar, de tomar um bom banho, de ter um lugar confortável para morar. Estas são as necessidades naturais e que servem para a manutenção de nossa vida. Trabalhar e fazer atividades que alimentam a nossa existência de alguma forma, também fazem parte das necessidades naturais.

No entanto, nos ocupamos com milhares de coisas por hábito. O hábito de estar fazendo sempre algo. Você já se sentiu mal, pelo fato de não estar fazendo nada? Talvez, ao longo da sua vida, muitas ideias foram implantadas em sua mente: “levante… vá fazer alguma coisa…”; “estude para ser alguém na vida…”. Estas e outras frases funcionam como injunções, como imposições que farão parte dos ‘implantes sociais-culturais’ dos quais a nossa subjetividade irá seguir.

Com o tempo, não precisaremos mais lembrar de que ‘temos’ que fazer isso ou aquilo para se alcançar alguma coisa. Simplesmente, as emoções no corpo nos dirão que ‘devemos’ nos ocupar com tais obrigações. As imagens e palavras das pessoas que nos disseram para fazer isso ou aquilo irão para o fundo matricial das experiências que nós já vivemos. Estas imagens e palavras irão funcionar sob uma outra forma: sob formas emocionais de um ‘deve-se’.
No meu trabalho como musicoterapeuta, Gestalt-terapeuta, filósofo-artista, acompanho quadros clínicos onde as pessoas manifestam em seus corpos sensações de angústia, ansiedade, falta de ar, medo, quadros depressivos, dentre outras manifestações, que se ligam a uma série de injunções e falas impositivas que se tornaram não-conscientes e que se expressam através de expressões emocionais no corpo. As pessoas passam a ser habitadas por ‘implantes’ que se expressam através das ‘falas’ emocionais do corpo. O corpo fala de outras formas a respeito de muitas coisas que não estão acessíveis sob forma de imagens ou ideias. O corpo passa a ‘falar’ por sensações, afetos, emoções.

Daí conhecer e compreender como a vida é construída, reconhecer se um desejo e um projeto de vida poderá estar mais ligado aos desejos dos outros do que ao próprio desejo, é um caminho a ser descoberto, desvelado, revelado pelo trabalho clínico-estético-filosófico.
Seguindo a perspectiva da filosofia epicurista, diremos que muitas de nossas necessidades são movidas por desejos que servem, muito mais, para seguir determinados ‘implantes sociais’ que foram colocados em nossas cabeças e em ‘nossa alma’. Assim, muitas pessoas aprisionam as suas vidas em projetos que dizem mais respeito ao que os outros irão achar. Muitas pessoas bem-sucedidas profissionalmente reclamam que ganharam muito dinheiro, mas, vivendo uma vida com uma textura emocional pobre. Vivem os dias para ganhar dinheiro e ‘desaprenderam’ a viver. Podem ser ‘ricos’ financeiramente, mas, pobres nas formas de viver a vida.

Uma das formas de verificação de que a nossa vida é rica será avaliarmos as texturas emocionais vividas a cada dia. Se a vida é vivida de uma forma repetitiva, sem variações nas formas de se emocionar, abrindo-se às novas experiências, permitindo-se viver novos contatos, poderemos dizer que a vida se expressa de forma habitual, costumeira. O colorido da vida passa a ser opaco, sem vitalidade, vivendo-se dos mesmos padrões afetivos. Esta é uma vida empobrecida de novas paisagens de vida.

Podemos insistir numa vida onde nos ocupamos com milhares de necessidades que, muitas vezes, não fazem mais sentido. Vivemos o hábito de viver necessidades que não fazem mais sentido. Clarice Lispector nos ensina: “O hábito anestesia”. Compreender o sentido da vida será colocar em perspectiva a direção vetorial dos desejos: o quanto o desejo está a serviço do desejo de outras pessoas, das ideias que foram ‘implantadas’ em sua mente e que funcionam de forma não-consciente no presente através de sensações-emoções de um ‘deve-se’, de um ‘cumpra-se’.

Quando Sócrates enunciou o ‘gnothi-seauton’, ou seja, o conhecido ‘conheça-te a ti mesmo’, ele estava impulsionando a ideia de que precisamos sair do nosso estado de alienação através de um conhecimento de como construímos a vida, de que forma nossas ideias são as ideias de outros revestidas sob o véu de nossos desejos.
Quais são as suas reais necessidades?! Os seus desejos são seus?! Conheça como você constrói e compõe a sua vida, pois, a verdadeira liberdade é quando nos libertamos dos véus de muitas verdades nas quais nos agarramos e que nos impedem de crescer, de expandirmos a nossa existência na relação com os outros.
Conheça-te a ti mesmo!

Abraço,
Paulo-de-Tarso