O mundo passa pela transição energética. A indústria de petróleo tem papel relevante neste processo
O Brasil consolidou sua posição de exportador de petróleo. Um feito e tanto para um país que dependia de importações até o início do século 21 e que sofre os efeitos das crises pelas quais o setor mundial de óleo e gás passa desde 1973. Essa transformação do país resulta de diversos avanços e desafios superados. A Petrobras se destaca nesta trajetória. De empresa usuária de tecnologias desenvolvidas por outros, passou, desde o início dos anos 2000, para a chamada fronteira tecnológica global, acumulando competências para desenvolver e aplicar as tecnologias que a tornaram grande produtora de petróleo em águas profundas.
Resultados similares são obtidos há séculos no nosso país. Iniciando pelo pau-brasil e avançando para cana-de-açúcar, café, ferro, soja, proteína animal e outros produtos primários. A exploração das chamadas commodities é característica marcante da economia brasileira. O avanço que ainda é lacuna da história econômica do país é a sua indústria de bens e serviços complexos e de alto valor agregado. Isto é, aqueles produzidos pelos poucos países cuja economia é capaz de produzir bens e serviços diversos e de grande sofisticação tecnológica.
O crescimento na produção e exportação de produtos primários acabou restrito e autocentrado. São poucos os exemplos de produção e exportação de bens e serviços sofisticados produzidos a partir de ou para apoiar sua produção. Muitos segmentos associados às matérias-primas não atingiram a fronteira tecnológica e, por conseguinte, o desempenho geral de nossa indústria ainda carece de avanços. Para citar um notável exemplo, o estado do Rio de Janeiro produz mais petróleo do que a Noruega. Contudo, enquanto o país nórdico é totalmente industrializado, de alta renda e grande produtor e exportador de bens e serviços industriais complexos, o Rio ainda tem potencial industrial que precisa ser mais desenvolvido e explorado.
Não há país de alta renda per capita sem indústria desenvolvida. A abundância de recursos naturais não é fator necessário, nem suficiente, e sequer tem correlação com a transformação industrial. Os Estados Unidos e o Japão são, respectivamente, pobres e ricos em recursos naturais. Mas ambos têm indústria forte e é isso que os torna países de alta renda. O Brasil tem muitos casos, para além do setor de petróleo, evidenciando que temos o potencial e os recursos para uma industrialização robusta, abrangente e sustentável. No entanto, são casos pontuais e que sugerem haver desafios relevantes a superar.
Essa superação requer política industrial. A expressão ganhou novos contornos e definições nos últimos anos. Trata-se dos instrumentos por meio dos quais o Estado interage com empresas instaladas no país, para induzi-las a acumular as competências para desenvolver inovações, fazer engenharia, fabricar, prestar suporte técnico, atender o mercado local e exportar bens e serviços de alta sofisticação e complexidade tecnológica, em vez de apenas produzir commodities. A política industrial busca levar as empresas à fronteira tecnológica e, por conseguinte, promover o desenvolvimento social e econômico do país em que elas estão presentes.
O mundo passa pela transição energética. A indústria de petróleo tem papel relevante neste processo. Por exemplo, na geração eólica offshore, na captura e reinjeção de dióxido de carbono em reservatórios depletados de petróleo (CCUS, na sigla em inglês) e outras tecnologias familiares ao setor. Porém, há uma encruzilhada à frente. Apesar dos avanços pontuais, a história da economia do país pode nos levar a repetir o erro de foco exagerado e quase exclusivo nas commodities. O país será mero produtor das novas commodities energéticas, ou será uma referência global em desenvolver, fabricar e exportar os bens e serviços de alta complexidade tecnológica que vão estar presentes na nova indústria da energia?
A neoindustrialização, termo criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) para caracterizar a transformação pela qual o Brasil nunca passou, aponta nesta direção. Entretanto, nosso passado permanece uma ameaça a esta nova e necessária ambição. O estado e setores econômicos de alta relevância, como o de energia e petróleo, precisam se articular para superar um passado que pode nos levar a um erro que se repete há mais de cinco séculos.
Telmo Ghiorzi – Secretário-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (ABESPetro). Formado em engenharia mecânica pela UnB, mestre em engenharia de petróleo pela Unicamp e doutor em políticas públicas pela UFRJ
Por Correio Brasiliense