Reforço no caixa da União, estados e municípios ocorre simultaneamente à disparada dos preços dos combustíveis para o consumidor.
Com o dólar mais alto e aumento dos preços internacionais do petróleo, a arrecadação do país com royalties e participações governamentais sobre a produção de óleo e gás alcançou um patamar recorde em 2021 e pode proporcionar uma receita extra de mais de R$ 37 bilhões no ano para os cofres públicos, na comparação com 2020. É o que mostra levantamento do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
De acordo com o estudo da consultoria, a receita da União, estados e municípios com este tipo de arrecadação totalizou R$ 35,29 bilhões na parcial do ano até julho, um salto de 28,9% na comparação com os 7 primeiros meses do ano passado. Trata-se do maior valor nominal para o período na série histórica iniciada em 1999. O recorde anterior tinha sido registrado em 2019, quando a arrecadação entre janeiro e julho somou R$ 30,69 bilhões.
Os valores consideram os dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), incluindo todas as receitas com royalties, participações especiais, taxa de ocupação ou retenção da área e também bônus de assinatura de contrato.
Veja no gráfico abaixo:
Arrecadação atinge recorde em 2021 — Foto: Economia G1
A ANP ainda não divulgou dados consolidados do 3º trimestre. Mas somente os royalties geraram para a União, estados e municípios uma receita de R$ 25,18 bilhões entre janeiro e setembro, o que significa que a arrecadação já ultrapassou R$ 41,6 bilhões este ano, segundo os cálculos da CBIE.
“A arrecadação de 2021 vai ser recorde porque o preço do petróleo está bombando e o real está depreciado em relação ao dólar”, afirma o sócio-diretor do CBIE, Adriano Pires. “Tem o lado positivo do aumento da arrecadação para estados, municípios e União, mas tem também o lado negativo, que é a estarmos pagando gasolina, diesel e botijão de gás tão caros”.
Com base no comportamento do mercado nos últimos meses e nas expectativas para o preço do barril de petróleo e para a taxa de câmbio até o fim de 2021, o CBIE estima que a arrecadação com royalties e participações especiais passará de R$ 84 bilhões no ano, o que representaria um crescimento da ordem de 80% (R$ 37,8 bilhões a mais) na comparação com a receita total de 2020, que totalizou R$ 46,71 bilhões.
Veja no gráfico abaixo:
A título de comparação, o custo das 3 parcelas extras da prorrogação do Auxílio Emergencial em 2021 foi estimado pelo governo federal em R$ 20 bilhões.
Histórico da arrecadação e projeção para 2021 — Foto: Economia G1
Entenda os Royalties
Royalties são os valores em dinheiro pagos pelas petroleiras à União e aos governos estaduais e municipais dos locais produtores para ter direito a explorar o petróleo. Já as participações especiais são uma compensação adicional e são cobradas quando há grandes volumes de produção ou grande rentabilidade.
Esses valores fazem parte das chamadas receitas não-administradas e dependem basicamente de três fatores:
- preço do petróleo
- taxa de câmbio
- volume de produção
“Dois destes 3 fatores estão tendo um comportamento muito acima da média: o preço do barril e, principalmente o câmbio. O câmbio é o principal responsável por esse recorde de arrecadação”, afirma o sócio-diretor do CBIE.
O que explica a arrecadação recorde
O preço do barril de petróleo Brent – referência internacional – retomou em 2021 os patamares de cotação pré-pandemia e, em outubro, voltou a atingir a marca de US$ 85, valor que não era atingido desde outubro de 2018. A alta ocorre em meio a retomada econômica e aumento nos preços do gás natural, que tem impulsionado a demanda por petróleo dos geradores de energia.Evolução do preço do barril de petróleoValor médio do Brent, em US$68,9968,9976,6576,6573,1373,1380,4780,4765,1765,1756,4656,4664,1364,1371,271,2646462,3362,3365,965,955,755,732,9832,9823,2423,2439,939,944,344,343,2243,2254,5554,5565,1965,1970,7570,7574,674,6jan/18mar/18mai/18jul/18set/18nov/18jan19mar/19mai/19jul/19set/19nov/19jan/20mar/2020mai/2020jul/2020set/2020nov/2020jan/21mar/21mai/21jul/21set/21020406080100Fonte: Tendências Consultoria
Já o dólar voltou a superar nos últimos dias a barreira de R$ 5,50, e acumula uma alta de cerca de 6% no ano frente ao real. No ano passado, subiu quase 30%. Até o início de 2019, se manteve abaixo de R$ 4.
O mercado financeiro projeta atualmente uma taxa de câmbio de R$ 5,25 para o fim de 2021 e para 2022 em meio às incertezas políticas e fiscais, antecipação da disputa eleitoral e deterioração das perspectivas para o desempenho da economia em 2022.
As projeções do CBIE para a arrecadação no ano consideram o preço médio do barril a US$ 70, taxa de câmbio média de R$ 5,20 e um crescimento de cerca de 7% na produção de petróleo no Brasil, para uma média de 3,26 milhões de barris/dia em 2021.
Entenda a alta do dólar
Os analistas têm apontado o avanço do dólar também como o principal “vilão” para o aumento do preço da gasolina e do diesel.
Levantamento do economista da Tendências Consultoria Walter de Vitto mostra que, em setembro de 2018, quando o barril de petróleo também era negociado ao redor de US$ 80 e o câmbio era de R$ 4,12, o preço médio do litro da gasolina nas bombas estava em R$ 4,64, contra R$ 6,08 em setembro de 2021. Pelos cálculos do analista, se o dólar estivesse hoje em R$ 4,50, o preço médio da gasolina para o consumidor estaria 10% mais barato. Clique aqui e veja simulações.
Divisão e uso dos recursos
Na comparação com o período de janeiro a julho do ano passado, a arrecadação com royalties e participações governamentais representou um adicional de quase R$ 7 bilhões para o caixa da União e de governos de estados e municípios produtores.
Segundo o levantamento, a receita destinada para a União somou R$ 12,54 bilhões, contra R$ 10,49 bilhões nos 7 primeiros meses de 2020. Já o valor repassado para estados e municípios aumentou em cerca de R$ 2,4 bilhões, para R$ 11,35 bilhões e R$ 8,07 bilhões, respectivamente. Veja gráfico abaixo:
Aumento da arrecadação da União, estados e municípios — Foto: Economia G1
Segundo Pires, a arrecadação recorde em um cenário de disparada dos preços dos combustíveis para os consumidores e de inflação persistente levanta a oportunidade de um debate mais transparente sobre a aplicação dos recursos oriundos da exploração de petróleo destinados aos cofres públicos.
“Infelizmente, nos últimos anos tanto a União quanto estados e municípios pegaram esse dinheiro fabuloso de arrecadação de royalties e não investiram para favorecer a população. Falta no mínimo uma maior transparência para onde este dinheiro está indo”, afirma o diretor da CBIE.
O especialista sugere inclusive o uso de parte da arrecadação com royalties como fonte de recursos para a criação de um fundo de reserva. “Em 2021, a projeção está muito acima da projetada pelo governo. Por que não usar essa diferença entre o projetado e o realizado para colocar dinheiro em um fundo?”, questiona.
Ele cita a proposta em estudo no governo da criação de um “fundo de estabilização”, com recursos públicos, para amenizar o impacto das variações nos mercados internacionais do petróleo nos preços dos combustíveis no país. “É decisão de governo, mas é uma maneira de não repassar a volatilidade dos preços ao consumidor”, diz.
Já Walter de Vitto, da Tendências, se diz contrário ao uso dos royalties para a constituição de um “fundo de estabilização” de preços e cita o exemplo da Noruega, que decidiu criar um fundo para que o dinheiro da exploração de petróleo rendesse e pudesse ser usado em benefício das futuras gerações.
“Dinheiro de royalties é um recurso finito, é uma riqueza. Tinha que ser aplicado em educação, saúde e para aumentar a produtividade da economia. Não deveria ser utilizado para nada de curto prazo ou nem muito menos para dar dinheiro para consumidor de gasolina e diesel”, afirma.
Embate sobre preços dos combustíveis
Os preços cobrados nas bombas viraram motivo de embate entre o presidente e os governadores. Bolsonaro passou a cobrar publicamente que os estados reduzam o ICMS para que, dessa forma, os preços da gasolina e do diesel recuem.
Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que muda o cálculo da cobrança do ICMS sobre os combustíveis para tentar baixar o preço cobrado ao consumidor final. Para ter validade, o texto ainda precisa passar pelo Senado.
Analistas consultados pelo g1 afirmam que os valores da gasolina, do diesel e do etanol podem até recuar em um primeiro momento com a mudança na tributação, mas que o dólar e a cotação do petróleo continuarão a ter mais influência na formação dos preços de combustíveis no Brasil, uma vez que desde 2016 a Petrobras passou a adotar para suas refinarias uma política de preços que se orienta pelas flutuações do mercado internacional.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse recentemente que o governo discute a possibilidade de capitalizar um fundo de estabilização dos preços de combustíveis com ações da estatal Pré-Sal Petróleo (PPSA) ou com ações que o BNDES tenha na Petrobras, mas não deu detalhes.
ICMS sobre combustíveis: Pachecho diz que quer ouvir governadores
Por G1