A Mentira

       Mário, um homem moldado pela dor e pela força, foi criado em um orfanato desde os dois anos, órfão de pai e mãe. Seu apelido, Hércules, refletia a força física que possuía, mas também simbolizava a luta constante contra as adversidades da vida. Ao completar dezoito anos, começou a trabalhar em uma madeireira, um ambiente onde sua força era explorada por um patrão rude e aproveitador. Carraro, seu empregador, não via em Mário mais do que uma ferramenta de trabalho, usando-o para tarefas que antes eram realizadas por mulas. A humilhação se tornou uma companhia constante na vida de Mário, que, apesar de sua força, carregava o peso da falta de uma educação formal. Certa vez, Carraro teve a audácia de chicoteá-lo. Nesse momento, a necessidade de Mário deu lugar a um impulso primal. Ele deu um soco na cara de seu patrão, que caiu nocauteado, resultando em dias de coma. Esse ato de rebeldia, embora impulsivo, simbolizava a explosão de um homem cansado de ser tratado como um subalterno. Demitido, Mário encontrou um novo caminho, trabalhando com madeira por conta própria. Sua determinação o levou a ganhar muito dinheiro, adquirindo fazendas e um grande rebanho de nelore. Contudo, a riqueza não trouxe apenas prestígio; trouxe também a necessidade de ostentação, como se cada peça de couro e cada estribo de ouro fossem um escudo contra as feridas do passado. As murmurações começaram. Com um toque de crueldade, as pessoas diziam:
— Olha lá! Veio da miséria e agora quer se mostrar. 
— Nunca comeu melado, quando come se lambuza. 
— Ficou rico, mas o cheiro da pobreza ainda o impregna. 
       Essas palavras, ditas em sussurros, revelavam a fragilidade da alma humana. Mário, que tanto havia lutado para se erguer, viu-se novamente à mercê da opinião alheia. Ele sabia que, se ouvisse tais comentários, a força de Hércules poderia retornar, mas o que ele realmente desejava era aceitação. O amor entrou em sua vida na forma de Jandira, uma mulher linda da sociedade campista. No entanto, o casamento não trouxe a aprovação que ele esperava. A família dela nunca aceitou aquele “homem da pobreza”. As vozes da inveja começaram a circular, criando um veneno que corroeu a imagem de Jandira:
— Jandira, mulher de Mário, é adúltera! Está saindo com Demétrio, o seu comprade. 
— É, eu soube! Mário tão machão, mas corno. 
— Demétrio sempre foi um come quieto! 
— Gente, pare de maldade! Dona Jandira ama Mário e é uma senhora honesta. 
— Por que está defendendo o corno? Está com medo? 
       A crueldade humana é capaz de criar narrativas que destroem vidas. O boato cresceu, alcançando Mário e despertando nele um instinto de defesa que se transformou em violência. Em um momento de desespero e raiva, ele se deixou levar pelo que a sociedade esperava dele, e, em um ato de barbaridade, matou o comprade Demétrio e a mulher que amava, deixando um rastro de desolação. Esse trágico desenrolar, gerado por mentiras e calúnias, trouxe um profundo arrependimento. Ao sair da prisão, quinze anos depois, Mário viu o mundo com outros olhos, mas o destino lhe reservou um fim cruel: foi atropelado por um ônibus que esmagou sua cabeça, como se a vida quisesse selar sua história com um ponto final.
      A vida, em sua complexidade, nos ensina que as palavras têm um peso imenso. Mário, um homem que buscou compensar sua dor e humilhação, viu-se aprisionado por suas próprias inseguranças e pela maldade alheia. A história dele é um lembrete doloroso de que, muitas vezes, a verdade e a mentira dançam em um fio tênue, onde o destino pode mudar em um piscar de olhos. E, ao final, a frase ressoa com a força de uma advertência: tudo que você faz, um dia volta para você. O ciclo de sua vida se tornou um triste eco, uma demonstração de como a busca por status e reconhecimento pode nos desviar do que realmente importa.

Guto Sardinha