OPINIÃO

A certeza de que tenho mais passado do que futuro e que o tempo de vida útil fica menor a cada dia, aliada à comprovada impaciência trazida pela velhice, me fez valorizar e utilizar artimanhas em atitudes e procedimentos que, mesmo cometendo alguns pecados, facilitam a minha vida e — envergonhado, confesso — não me deixam remorsos.Com efeito, já há um bom tempo deixei de me preocupar em explicar ou dar satisfações para fatos e coisas que não têm a menor importância, mas que em épocas passadas me deixavam desassossegado.Para mim, fazer reservas em hotéis ou restaurantes, fazer cadastros em lojas ou outros que tais, antigamente, eram um suplício. Eu perdia tempo e paciência ao ter que soletrar o nome: A de águia, L de Luiz, F de faca, E de elefante, U de urubu. Não, o Melo não é com dois ‘eles’, é somente um ‘éle’. Cansei, e me rendi: hoje eu digo apenas Alfredo Valença, e sou entendido de primeira. Mais tarde, se houver alguma necessidade, que nunca há, eu posso, sem nenhum acanhamento e na maior cara de pau, acusar o ouvinte de não ter entendido bem e grafado o meu prenome errado.O uso do nome Alfredo, numa função não prevista, também tem me livrado de inúmeras explicações nas recepções de hotéis e restaurantes que aguardam com pompa e circunstância o meu primo famoso e cabeludo cantor e, sem esconder a contrariedade, recebem com indisfarçada decepção um anônimo careca. Depois percebi que essa semelhança de nomes me seria útil para conseguir reservar ingressos, passagens, hotéis e restaurantes, onde pouco tempo antes tinham sido negadas a outras pessoas. Desculpe-me, Alceu, por tirar proveito da semelhança com teu nome. Não em vão.Durante anos, eu, cioso da minha doença crônica, “síndrome do túnel do carpo”, respondia cheio de minúcias para ser bem chato e cansar os curiosos que paravam de perguntar “o que foi isso na sua mão?” Respondia, tentando encerrar o assunto, explicando em ininteligível linguagem médica que estava usando um imobilizador no punho esquerdo porque sofria de “uma neuropatia resultante da compressão do nervo mediano no canal do carpo, estrutura anatômica que se localiza entre a mão e o antebraço. Através desse túnel rígido, além do nervo mediano, passam os tendões flexores que são revestidos pelo tecido sinovial. Qualquer situação que aumente a pressão dentro do canal provoca compressão do nervo mediano e a síndrome do túnel do carpo”.Não adiantava. No dia seguinte, o mesmo interlocutor voltava a perguntar quando eu ficaria bom daquela tendinite. Agora, mal uma pessoa olha para o meu punho já vou falando: — Tendinite. E da braba!

Nos restaurantes, em qualquer lugar do mundo, se você pede um filé, logo vem a pergunta: — Malpassado, bem passado ou ao ponto? Bobagem, o filé vem do jeito que o humor do cozinheiro permitir. Então, para evitar aborrecimentos e decepções já vou pedindo “ao ponto”. E, na maioria das vezes, eu acerto!Vocês sabem o que é cálculo renal? Não, não é pedra nos rins. Às vezes, até é. Mas também pode ser pretexto para fugir de compromissos chatos. Já que eu tenho crises renais com alguma frequência, tiro partido disso para evitar ir a festas, recepções e outros que tais, sem que pareça má vontade para com o anfitrião. O efeito é muito mais verossímil do que as desgastadas desculpas de dores de cabeça ou enxaquecas. A compreensão é imediata: — Ah, eu sei o que é isso. Já tive uma vez. Dói pra caramba. Foi uma pena você não ter ido. Você fez falta, mas eu tenho que relevar, o motivo foi muito justo. Te cuida, hein! Beba muita água!.Filas de bancos? Sem dúvida a praticidade diz que a melhor escolha é fugir das filas de prioridade, com a mesma velocidade com que os evangélicos correm do Satanás. As filas normais andam muito mais rápido. Nas prioritárias sempre tem um velhinho supersimpático que, não satisfeito de já na fila ter mostrado as fotos da formatura, ou da festa de 15 anos da neta “vejam como estava bonita!”, insiste em fazer o mesmo para a educada e paciente pessoa que o atende no caixa.