Com o avanço do Alzheimer no mundo todo, especialistas enfatizam cada vez mais a necessidade da prática de atividades e comportamentos que possam beneficiar a saúde e o bem estar da população. Conhecida comumente por afetar a memória do indivíduo de forma crônica, a doença tem aproximadamente 100 mil novos casos por ano no Brasil, e o Ministério da Saúde aponta cerca de 1,2 milhão de brasileiros com a doença, número que, segundo o Alzheimer’s Disease International, pode aumentar em 200% até 2050, devido ao envelhecimento da população.

O Dia Mundial do Alzheimer, no dia 21 de setembro, chama a atenção para a necessidade de diálogo sobre a doença e os seus cuidados necessários, bem como os seus fatores de influência. Apesar de ter a perda de memória como fator inicial mais comum, o neurologista Clecio Godeiro, do Hospital Onofre Lopes (Huol/UFRN), destaca que há também formas atípicas, a partir das quais o quadro pode começar, com alterações de linguagem e comportamentos, podendo esses comportamentos ser mais desinibidos ou depressivos.O médico explica que a forma de apresentação mais comum da doença de Alzheimer é o comprometimento da memória, inicialmente, a memória mais recente, mas acrescenta que pode afetar o que chamam de outros domínios cognitivos, como a linguagem, a orientação espacial e a orientação no tempo.Ao crescimento do número de casos nos últimos anos, o neurologista Clecio Godeiro associa a maior longevidade da população global, bem como a maior ocorrência de doenças cardiovasculares, que são resultados de uma população mais sedentária e adepta de dietas menos balanceadas e prejudiciais à saúde. O médico destaca os alimentos industrializados e a maior quantidade de toxinas no meio ambiente, em especial os urbanos.Outro fator significativo para o aumento do número de diagnósticos é o avanço das ciências, que contribuiu para aprimorar as técnicas de diagnóstico. No entanto, o especialista ressalta que o diagnóstico da doença de Alzheimer pode ser facilmente confundido com outras condições ou distúrbios, como a depressão. A geriatra Ângela Costa, do Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol) da UFRN, atribui o aumento no número de diagnósticos de Alzheimer pós-pandemia de COVID-19, iniciada em 2020, a essas melhorias nos métodos de diagnóstico e ao maior reconhecimento de sintomas similares entre diferentes doenças.Destacando que além da necessidade de ter um balanceamento e cuidado com a saúde física, a geriatra alerta que é preciso também enfatizar a necessidade de cuidados com os fatores sociais que podem influenciar para o quadro. “Além dos fatores que já conhecemos, como o cuidado com a dieta, e hábitos como o consumo de álcool e uso de cigarros, é preciso estar atento ao impacto que o isolamento social pode ter para o surgimento da doença, pois o isolamento é sim considerado um fator de risco para o desenvolvimento da doença de Alzheimer”, conta Ângela.

FatoresO caráter hereditário da doença é uma preocupação de muitas famílias, mas o neurologista Clecio alerta que, para fins científicos, o fator genético enquanto condicionante da doença ainda não tem tanta relevância. “De fato, quando há familiares afetados pela doença, há um risco maior para aquela pessoa desenvolver a doença. Mas identificar um gene, um fator genético é muito raro. A incidência do fator genético corresponde de 1 a 3% dos casos todos de doenças de Alzheimer, sendo a grande maioria ainda um quadro esporádico”, conta Clecio.Quanto ao impacto dos fatores externos para o desenvolvimento, o neurologista alerta que fatores socioeconômicos também são considerados de grande impacto para o Alzheimer, uma vez que os fatores como saúde cardiovascular e o controle de doenças crônicas como diabetes são, infelizmente, compreendidas como privilégio para parte da sociedade. “Na população economicamente favorecida, se esse fatores forem controlados, é possível uma redução de 46% da chance de desenvolvimento da doença Enquanto na população economicamente desfavorecida, pode reduzir em 54%”, revela.Destacando a importância da manutenção do bem estar, enquanto fator condicionante para um melhor quadro cognitivo na longevidade, Clecio destaca a manutenção do sono enquanto fator de relevância para a saúde mental, explicando que é durante o sono que os neurônios se recuperam. “Quem não dorme bem, mantém muitas toxinas lá no cérebro e isso também contribui para o processo degenerativo”, explica o neurologista da rede Ebserh.Com relação aos primeiros sinais que devem ser levados como alerta, os médicos destacam as mudanças comportamentais que eram rotineiras, como lembrar onde estacionou o carro, lembrar-se onde guardou algum objeto ou documento, e até mesmo quando pode estar iniciando o processo de abrir mão de coisas que valorizava, como a independência, e passando a depender mais de outros familiares.

Estímulo neurocognitivoOs primeiros sinais do Alzheimer podem vir até 10 anos antes da doença se manifestar a ponto de que seja considerado um diagnóstico concreto. É o que diz a neuropsicóloga Ana Maria de Araújo, alertando que a doença de Alzheimer, e os sinais de demência, não possuem o que chamamos de “prevenção”, sendo as formas de retardo do seu surgimento uma questão de saúde coletiva, para os quais, além de estímulos e cuidados com a saúde física, são necessários as aplicações de atividades mentais.“No processo de envelhecimento, é importante que todos façam a estimulação cognitiva. Como prevenção para qualquer outra doença, até para os transtornos mentais, como evitar desenvolver ou acelerar o processo de transtorno mental, como também para o transtorno neurocognitivo, o transtorno demencial”, enfatiza Ana.“Hoje em dia é muito difícil falar em prevenção, pois o Alzheimer é uma doença que tem o seu processo iniciado pelo menos 10 anos antes que exista a possibilidade de um diagnóstico. Então o necessário é que exista uma indicação de estimulação da capacidade cognitiva, não só do idoso, mas também da população jovem”, conta a Neuropsicóloga.Ana Maria dá ênfase à importância do acompanhamento neuropsicológico para que o encaminhamento do paciente, em todas as fases e estágios da demência, sejam devidamente investigados e, principalmente, estimulados.DesafiosPelo isolamento que proporciona, a neuropsicóloga adverte que os trabalhos em modalidade home office são visto com preocupação, uma vez que a sociabilidade do ambiente de trabalho é importante, não apenas no sentido de frear ou desacelerar o quadro, mas principalmente para que exista um ambiente de reconhecimento da capacidade do indivíduo.“Com as novas modalidades de trabalho, as pessoas para de se socializar tanto como antes, muitas vezes aos 40 anos já estão limitando suas funções cognitivas a nichos específicos. Precisamos entender que o envelhecimento nós temos que cuidar enquanto somos jovens, e não só quando a velhice já está instalada. As pessoas pensam que o envelhecimento é a partir dos 60 anos, mas aos 60 é só o processo de aceleração do envelhecimento. Mas o envelhecimento do corpo acontece a partir do momento em que ele amadurece, a partir de então ele já começa a ter perdas”, explica Ana Maria.

Já os médicos da rede Ebserh, Clecio Godeiro e Ângela Costa, entendem que um dos desafios do combate ao Alzheimer é o cuidado necessário com a população idosa, cuidado este que, o sistema de saúde deixa a desejar com os mesmos. A geriatra Ângela destaca a falta de preparo do sistema desde com as dificuldades para realizar o diagnóstico, quanto com relação à disponibilidade de equipe multidisciplinar para acolher e acompanhar o paciente.O neurologista destaca a dificuldade que a população encontra para ter acesso aos profissionais necessários, desfavorecendo-os no cuidado da doença. “O nosso sistema de saúde, de uma maneira geral, ele não está preparado para cuidar da população idosa”, destaca Clecio.