Médicos e cientistas têm investigado cada vez mais a relação entre o consumo de carboidratos simples e a piora do refluxo gastroesofágico em pessoas que sofrem com esse problema. Essa condição é caracterizada pelo retorno involuntário do alimento após chegar ao estômago — em vez de permanecer ali, a comida volta em direção ao esôfago. Entre os sintomas estão azia, dor e tosse seca, por exemplo.
Segundo alguns estudos, consumir muitos alimentos fontes de carboidratos simples — como massas refinadas e doces — pode piorar esse quadro. Entre as pesquisas que analisaram esse elo está uma publicada no periódico The American Journal of Gastroenterology.
Para o estudo, cientistas dos Estados Unidos recrutaram 98 participantes, com idades entre 47 e 72 anos. Eles foram divididos aleatoriamente em quatro grupos conforme a dieta que seguiram nas nove semanas seguintes ao início do experimento: 1) ingestão alta de carboidratos totais e alta de carboidratos simples, considerado o grupo controle; 2) alta de carboidratos totais e baixa de carboidratos simples; 3) baixa de carboidratos totais e alta de carboidratos simples; e 4) baixa de carboidratos totais e baixa de carboidratos simples.
Após o período estipulado, os cientistas analisaram três fatores ligados ao refluxo gastroesofágico: o tempo de exposição do esôfago ao ácido gástrico, o número total de episódios de refluxo nos voluntários e a presença de sintomas da condição.
Os resultados mostraram que houve melhora do quadro em todos os grupos que reduziram a ingestão de carboidratos, totais ou simples (apenas o grupo controle permaneceu da mesma forma). Entretanto, a porção dos voluntários que comeu menos carboidratos totais e carboidratos simples foi a que obteve mais benefícios provenientes da alteração na dieta.
Ressalvas
Mas esses achados não significam que pessoas com refluxo devem cortar carboidratos da dieta, muito menos por conta própria. Além de serem nutrientes essenciais para o funcionamento do organismo, mais estudos são necessários para entender seu real impacto nessa condição gástrica.
“O número de participantes [da pesquisa] é pequeno e metade não tinha diagnóstico da doença do refluxo, que acontece quando os episódios de refluxo, que podem acontecer com qualquer um após uma refeição muito pesada, se repetem de forma crônica”, explica o gastroenterologista e hepatologista Rafael Ximenes, do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia. “Isso é relevante porque, nesses casos, fatores que não são relacionados com a alimentação, como uma hérnia de hiato ou alterações na contração do esôfago, podem estar envolvidos.”
Já o gastroenterologista José Augusto Messias, professor titular de clínica médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destaca que os indivíduos analisados no estudo eram predominantemente homens e veteranos das forças armadas dos Estados Unidos. Isso é relevante porque, de acordo com o próprio artigo, a incidência de refluxo gastroesofágico é maior nessa população: entre 40% e 45%, contra 30% na população civil adulta estadunidense.
“Mas esses fatores não diminuem o valor dos resultados, que fazem parte de um estudo publicado no The American Journal of Gastroenterology, uma das mais prestigiosas revistas na área de gastroenterologia clínica do mundo e que é muito rigorosa no processo para selecionar os artigos que serão colocados em suas páginas”, observa Messias, que é membro titular da Academia Nacional de Medicina.
Entre os resultados de maior relevância da pesquisa, segundo o docente da UERJ, está a melhora dos sintomas e da presença de ácido clorídrico no esôfago dos voluntários. “Esse é um dos principais objetivos do tratamento da doença do refluxo esofágico”, pontua José Augusto Messias.
“Outro ponto importante a ser destacado é que as mudanças na alimentação propostas pelo estudo fizeram com que os participantes perdessem peso, o que sabidamente é uma forma de melhorar a doença do refluxo e suas complicações”, pontua Rafael Ximenes, do Einstein. Entre as complicações do quadro estão câncer de esôfago e esôfago de Barrett, que acontece quando células da parte final do esôfago são substituídas por células características do intestino, o que aumenta o risco de surgimento de um tumor.
Ainda assim, vale reforçar: nada de agir por conta própria. Os especialistas ressaltam que, em muitos casos, o tratamento medicamentoso é fundamental para tratar o refluxo. “Os remédios diminuem a produção de ácido pelo estômago, melhorando os sintomas e favorecendo a cicatrização de possíveis lesões provocadas no esôfago, que é a principal forma de prevenir as complicações da doença”, explica Ximenes.