OPINIÃO

Há alguns anos, quando vivíamos sob regime presidencialista, eu começaria este texto criticando o presidente da República e os seus ministros pelas recentes medidas que tramitam no Congresso Nacional, envolvendo o tema unanimemente apoiado e muito pouco efetivado: a preservação do meio ambiente. Hoje, todavia, após o ex-presidente Bolsonaro ter cedido todo o seu poder para o Congresso, estamos, não de direito, mas de fato, vivendo sob regime parlamentarista. Disfarçado, sim, mas parlamentarismo. Quem controla o orçamento é quem tem o poder e, atualmente, apenas 20% do mesmo fica com o Poder Executivo. O Poder Legislativo tem tido um protagonismo cada vez maior. Portanto, atualmente, as críticas ou elogios pela administração federal deverão ser dirigidas aos congressistas. E por que fiz este preâmbulo tão grande antes de adentrar no assunto que me fez começar este texto? Apenas para bem definir o alvo das minhas críticas: o Congresso Nacional. Com efeito, depois de perder tempo com pautas esdrúxulas e prontamente repudiadas pela sociedade, tais como privatizar as praias e incriminar mulheres que abortassem após serem estupradas, os congressistas se voltaram para pautas ambientais, e eu, ingenuamente, fiquei esperançoso de que a seriedade iria comandar aquele ambiente legislativo. Enfim, acreditei, que o meio ambiente teria sua importância reconhecida e a sua preservação seria disciplinada por leis rigorosas e inflexíveis. Vocês, pelo menos os mais idosos, devem lembrar da Velhinha de Taubaté, memorável personagem do genial Luís Fernando Veríssimo, que ficou famosa como “a última pessoa do Brasil que ainda acreditava nos políticos”. Pois bem, com o Congresso se voltando para pautas ambientais, eu, um perfeito idiota, com muita convicção, assumi o papel da Velhinha. Todavia, logo nas primeiras deliberações, minhas crenças otimistas foram dissipadas porque os “lobbies” foram mais fortes do que o bom senso parlamentar. Estava eu ainda chocado com mais uma jaboticaba tupiniquim: a grotesca inclusão dos carros elétricos na lista dos produtos que pagarão o “imposto do pecado” por serem poluidores (???), quando, há alguns dias, encontrei na Folha de São Paulo, sem muita repercussão, uma matéria preocupante. A reportagem registrava que o Senado tinha aprovado, com modificações, três projetos vindo da Câmara Federal que criam a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão, o programa de desenvolvimento deste hidrogênio e o REHIDRO – Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. No texto aprovado na Câmara, o REHIDRO previa incentivos fiscais de R$ 13 bilhões, em quatro anos. O caritativo Senado, num rasgo de generosidade, aumentou o incentivo para R$ 18 bilhões, em cinco anos. É sabido que os critérios mundialmente aceitos para classificar o hidrogênio como Hidrogênio Verde (H2V), consideram a quantidade de gás carbônico (CO2) emitido na sua produção. Os valores aceitáveis variam conforme a política ambiental de cada país ou região.

Vejamos os mais importantes, em quilos de CO2, emitidos para cada quilo de H2V produzido:
União Europeia – Menos de 4,4 Kg de CO2
Alemanha – Menos de 2,8 Kg de CO2
China – Menos de 4,9 Kg de CO2
USA – Menos de 2,0 Kg de CO2
Projeto da Câmara Federal – Menos de 4,0 Kg de CO2

Pois bem, em apenas dois minutos de discussão (?) em plenário, o nosso Senado quase DOBROU o critério aprovado na Câmara, alterando de 4 Kg para incríveis 7 Kg, alegando que somente assim seria tecnicamente possível viabilizar a produção de hidrogênio verde obtido via etanol. E deixando claro o patrocínio da alteração.

Levei aquela matéria para nossa mesa do chope semanal e, após uma discussão bem mais longa do que a do Senado, o Caladinho, que gostou de falar e agora não para de opinar em tudo, entre um gole e outro, sumarizou o assunto em três contundentes frases:

Vamos criar um hidrogênio verde que não pode ser exportado como verde, por não atender os limites de emissões exigidos no mundo inteiro;

Vamos dar incentivos fiscais para produzir um hidrogênio verde que não é verde, mas atende aos desejos dos produtores de etanol.

Não podendo exportar, vamos nos autoenganar e continuar a poluir a nossa Pátria Mãe Gentil, consumindo um hidrogênio que não é verde, pagando como se verde fosse.

Como o texto passaria novamente pela Câmara dos Deputados, já que sofreu alterações, a Velhinha de Taubaté voltou a me cutucar e reanimou-me. A alegria durou pouco. Em acelerada votação, aquela casa parlamentar aprovou integralmente o texto que recebeu do Senado, sem nenhuma modificação ou emenda.

Decepcionado, só me restou escrever este texto e dar razão a um velho amigo que sempre criticava o PROALCOOL dizendo: “Não vai dar certo. Etanol é álcool e álcool só é bom quando consumido por via oral”.