Termo ganhou força diante do aumento de cesáreas e dos casos de violência obstétrica; humanização prioriza o protagonismo da parturiente e escolhas compartilhadas
A relações públicas Natália Huvos, 36 anos, não sabia muito bem o que significava o termo “parto humanizado” quando ficou grávida pela primeira vez, em 2020. Já a publicitária Manuela Pontual, 34 anos, sempre soube que faria de tudo para ter um parto humanizado e, ao longo da sua gravidez, escolheu estudar ainda mais sobre esse universo.
Apesar de terem tido expectativas diferentes para suas gestações, as duas gestantes tinham uma coisa em comum: queriam, desde o início, ser respeitadas e ouvidas durante a gravidez, o trabalho de parto e o puerpério. E isso é, segundo o obstetra Rômulo Negrini, a principal premissa do parto humanizado.
“O parto humanizado é aquele parto feito com respeito, em que aquela família é o centro das atenções, e que não envolve intervenções desnecessárias. Isso é o que deveria ocorrer em todo parto, na verdade”, explica Negrini, que é professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e coordenador médico de obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein.
A expressão “parto humanizado” se popularizou no Brasil a partir do final dos anos 2000, em um cenário de aumento no percentual de cesáreas e nos relatos de violência obstétrica.
“É um termo que define o que teoricamente todo parto deveria ter. Ele se baseia em duas coisas: respeito e embasamento em evidências científicas”, explica a obstetriz Paloma Ortolani, que é bacharel em Obstetrícia pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP).
Ainda que não seja necessariamente conhecido por todas as gestantes, o parto humanizado descreve uma condição que a maioria das mulheres brasileiras já buscam no atendimento.
“Como eu já sabia que o Brasil é um país com uma taxa muito alta de cesárea desnecessária, e onde rola muita violência obstétrica, eu já tinha essa preocupação e queria fugir disso, e por isso veio a busca pela humanização e por uma maior participação no processo todo”, afirma a publicitária Manuela Pontual, que é mãe de Flor, que nasceu em 2022.
Essa participação da família nas decisões relacionadas ao parto, que foi uma prioridade para ela e seu parceiro, é um dos pilares do parto humanizado, segundo o médico Mariano Tamura, supervisor do Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein. “Um parto humanizado deve ocorrer da forma mais respeitosa possível, em um ambiente acolhedor e seguro onde a parturiente seja o centro das atenções e participe de todas as decisões”, define.
Para o obstetra Negrini, o parto humanizado já “furou a bolha” à qual estava restrito antes e se popularizou nos últimos anos. Um exemplo disso, segundo ele, é a oferta de terapias como aromaterapia e musicoterapia durante o parto em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS).
“É uma tendência que veio para ficar, e acho que tem que ser assim mesmo, porque é um momento diferente para cada família. A gente tem que acomodar essas particularidades, seja no SUS, com aromaterapia e musicoterapia, seja numa maternidade particular. Quem não entrar nesta tendência não vai ter espaço no futuro”, avalia Negrini.
Já a obstetriz Ortolani acredita que ainda há certo desconhecimento sobre o universo do parto humanizado entre as famílias que a procuram. “A maioria das mulheres chega por indicação, mas no geral elas não entendem muito bem o que é [o parto humanizado]. Na primeira consulta eu explico para elas o que ele envolve e qual é o papel de cada profissional da equipe”, diz.
Evolução do termo
Atualmente, o significado mais abrangente de parto humanizado já é quase um consenso no meio científico. Embora existam diversas definições, todas elas concordam que o procedimento deve buscar o protagonismo da mãe e evitar intervenções médicas invasivas e desnecessárias.
No entanto, nem sempre foi assim: no início do século 20 a “humanização” do parto era usada para justificar o uso de fórceps e anestesia geral, ambos pouco alinhados com o que se entende por parto humanizado hoje em dia, como explica em sua pesquisa científica a professora Carmen Simone Grilo Diniz, do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Um dos principais catalisadores dessa mudança de olhar foi a criação da Política Nacional de Humanização da atenção e da gestão no SUS (PNH), em 2003. Embora não seja dedicada exclusivamente ao parto e puerpério, essa política pública foi responsável por promover valores de maior acolhimento no sistema de saúde e de maior participação dos pacientes na tomada de decisões.
Uma chance de participar e entender as decisões médicas é o que move muitas mulheres a procurar profissionais e maternidades específicos em busca do que consideram um atendimento mais respeitoso.
“A primeira pergunta que eu ouvi do meu obstetra foi como eu gostaria que fosse meu parto, se normal ou cesárea. Quando eu respondi que queria parto normal, ele disse que então faria de tudo para que ocorresse dessa forma – e foi como aconteceu. Para mim, era importante poder questionar algumas coisas, ser informada do que estava acontecendo”, lembra a relações-públicas Natália Huvos.
Parto adequado
Embora o parto normal seja o indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a maioria das gestações, a cesárea também pode – e deve – ter um atendimento humanizado, de acordo com Linus Pauling Fascina, gerente do Departamento Materno Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein.
“Tanto o parto vaginal quanto a cesárea devem ser humanizados. Recentemente foi criado um termo novo, chamado ‘parto adequado’, que abrange também a cesárea. É aquele parto em que você está oferecendo o melhor da ciência, que é quase sempre o parto via vaginal, tentando buscar a taxa da OMS, que é de 90 a 95% de parto normal, e com isto reduzindo a mortalidade materna e de recém-nascidos”, afirma.
“Mas, dentro do parto adequado, também temos que respeitar a escolha da mulher. A gestante, mesmo com a orientação médica sobre as evidências científicas favoráveis ao parto normal, ainda pode optar por uma cesárea, desde que ela seja esclarecida dos riscos deste procedimento”, disse Fascina. O pediatra explica ainda que o norte a ser seguido sempre tem que ser a segurança da gestante e do feto. “Portanto, o melhor caminho para essa escolha deve ser uma decisão compartilhada entre gestante e o médico que a acompanha”, completa.
Então qual é, afinal, a cara do parto humanizado hoje em dia? Além da maior participação da família e da menor possibilidade de intervenções médicas, outra característica da humanização do parto são ambientes mais acolhedores. Eles podem incluir salas mais espaçosas, com luz natural, banheira ou preparadas para que as mulheres optem por diferentes posições para o parto normal.
Além disso, o parto humanizado também pressupõe que a mulher possa escolher entre diferentes métodos não farmacológicos de alívio da dor, como massagem, uso da água morna e até recorrer a uma analgesia, e que ela seja consultada antes de receber qualquer intervenção.
A presença de acompanhante durante o parto, especialmente nos casos de baixa complexidade, também é um aspecto importante do parto humanizado. Esse acompanhante pode ser o parceiro ou parceira da escolha da gestante, conforme previsto em lei federal. Além da presença do acompanhante, a gestante pode ter na equipe outros profissionais, como doulas e/ou obstetrizes.
Equipes multidisciplinares
Doulas, enfermeiras obstétricas, obstetrizes, médicos ou médicas obstetras: profissionais diferentes têm papéis diferentes nas diversas fases da gestação e do parto humanizado. No caso da publicitária, a presença do marido, da doula e da obstetriz foi essencial para deixá-la mais tranquila durante os momentos mais tensos do trabalho de parto.
A obstetriz Paloma Ortolani explica que o acompanhamento deste tipo de profissional envolve a criação de um plano de parto com a gestante que contemple suas intenções e desejos.
“Ao longo da gestação a gente vai montando o parto ideal pra essa mulher porque a gente entende que parto humanizado não é necessariamente igual sempre. Cada gestante tem um plano diferente”, explica Ortolani, que monitorou o trabalho de parto da publicitária desde as primeiras contrações, em casa, e a acompanhou no hospital.
Já a doula fica responsável por dar apoio psicológico e ajudar a gestante na busca por informações e profissionais. Diferente da obstetriz, a doula não tem papel técnico, ou seja, não é responsável por fazer exames de toque, checar os batimentos do bebê ou a dilatação cervical.
No caso da publicitária, a doula enviou uma lista de perguntas sobre as preferências da família que levou o casal a fazer uma extensa pesquisa sobre parto humanizado.
“A doula passou para a gente uma longa lista de perguntas sobre preferências logo no nosso primeiro encontro, e como eram coisas muito específicas, a gente ficou desde o terceiro mês estudando sobre parto humanizado para definir tudo”, explica Manuela Pontual.
Outra atribuição da doula é funcionar como uma representante da mulher durante o trabalho de parto, especialmente quando ele fica mais intenso. Dessa forma, a doula atua em conjunto com o obstetra para orientar a gestante na tomada de decisões. Já o médico obstetra, por sua vez, é quem têm a responsabilidade médica. É ele quem decide a necessidade de intervenções urgentes e que cuida de eventuais complicações, mas sempre com um ouvido atento às demandas e desejos da mulher.
Nem todo parto humanizado precisa contar com a presença de doula e obstetriz, como explicam os médicos obstetras consultados: a humanização do atendimento pressupõe que o médico deve respeitar os desejos da mãe mesmo que ela não tenha esse acompanhamento. Mas, em alguns casos, a atuação dessas profissionais pode ajudar a gestante a se sentir mais confortável.
A relações-públicas Natália Huvos, que não contou com doula ou obstetriz no parto de seus dois filhos, em 2020 e 2022, acredita que teria se beneficiado desse acompanhamento.
“Teria sido bom ter uma pessoa que conseguisse responder algumas coisas por mim porque chegou um momento no parto do meu primeiro filho em que eu já estava com tanta dor das contrações que nem sabia o que estava respondendo”, lembra.
Por: Patrícia Figueiredo, da Agência Einstein
Fonte: Agência Einstein