Enquanto ONG vai à Justiça contra instalação de plantas termelétricas, Prefeitura vê ciclo de investimentos e fala em “ritmo acelerado” de novos empregos
RIO – De “Princesinha do Atlântico” para “Capital do Pré-Sal” e, agora, “Capital Brasileira das Termelétricas”. Com população crescente, Macaé, no Norte Fluminense, tem defendido uma agenda polêmica justamente quando o mundo discute a transição energética – com base em fontes renováveis. Além de duas usinas já em funcionamento, outra termelétrica (Marlim Azul I) está em fase de pré-operação e outras dez vêm sendo licenciadas pelo Ibama ou pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), para que possam entrar em novos leilões de energia promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A ONG Instituto Arayara afirma que o morador de Macaé – e aquele que vive num raio de 300 km da cidade – poderá ter a qualidade de ar duas vezes pior do que a de Cubatão de 1982 – famoso case mundial de degradação. A Prefeitura local, por outro lado, fala em “novo ciclo de desenvolvimento” e numa profusão de empregos.
“Vamos transformar Macaé numa zona de sacrifício?”, questiona Juliano Araújo, diretor da Arayara. “É um grave erro de política pública. O licenciamento se divorciado de uma série de preceitos técnicos de saúde ambiental sejam considerados. É a mesma cidade onde, há décadas, os hidrocarbonetos forneceriam emprego para todos. Macaé explora petróleo há 50 anos sem avanços sociais. Não precisamos do gás como modelo de transição energética, sob pena de atrasarmos o país em 25, 30 anos”, critica.
A ONG acrescenta que somente a Termelétrica Marlim Azul I, cuja licença de operação foi concedida pelo Instituto Estadual do Ambiente no dia 12 de julho, tem consumo de água projetado equivalente ao que consome um terço da população do município, ou de uma cidade de 88,2 mil habitantes. Usinas térmicas, sublinha a organização, usam bastante água para refrigeração e produção. E Macaé já sofre com escassez hídrica. Outra crítica é que os licenciamentos vêm desconsiderando uma avaliação integrada de todo o parque energético – o que levaria a análises descoladas do cenário real.
‘Uma Itaipu fluminense’
Em ações civis públicas, a Arayara pede ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, comarca de Macaé, que os licenciamentos sejam feitos pelo Ibama e estejam condicionados a uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). A ONG destaca ainda que além das termelétricas, diversos outros empreendimentos estão previstos no território: a ampliação do terminal de processamento de gás natural da Petrobras em Cabiúnas; uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH); gasodutos que levarão o gás natural da Bacia de Campos para o Porto de Açu, em Campos; e duas linhas de transmissão para conectar as térmicas ao sistema interligado.
“Em vez de fazer os estudos sinérgicos, [os órgãos ambientais] avaliam caso a caso. E o volume de água que essas térmicas vão precisar? Oitenta mil moradores já não têm água na cidade”, alerta Juliano.
Se todos as usinas saírem do papel, elas terão capacidade de gerar 14 gigawatt (GW), o equivalente a uma hidrelétrica de Itaipu. É um investimento de cerca de R$ 20 bilhões, em até uma década. Mas a lógica, explica a diretora da Coppe/UFRJ, Suzana Kahn, é que as plantas funcionem por demanda. Suzana, que recentemente criticou no jornal “Valor Econômico” a dependência do gás como fonte de transição para uma economia de baixo carbono, afirma ser possível conciliar as térmicas de Macaé com um desenvolvimento sustentável.
“Nossas termelétricas a gás natural são acionadas apenas para manter os reservatórios de água em níveis confiáveis, estratégia adequada, pois assim se evita um aumento do custo de geração elétrica, tendo impacto na tarifa para o consumidor final. No caso de Macaé a lógica deve ser a mesma: as plantas não devem funcionar ao mesmo tempo e o tempo todo”, pondera.
Rio não suporta, alerta professor
Macaé, que viveu um boom populacional nos últimos 70 anos (passando de 40 mil habitantes para os atuais 246.391, um avanço de 516%), é abastecida pelo rio de mesmo nome. Está inserida numa bacia considerada pequena (de apenas 1.700 quilômetros quadrados). Em audiência pública realizada em junho do ano passado, o professor e pesquisador do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ), Maurício Mussi Molisani, fez uma leitura preocupante:
“De uma hora para outra Macaé tem um boom populacional, e o meio ambiente não vai acompanhar a questão socioeconômica: a água do rio é rigorosamente a mesma. Mas tudo o que é construído em Macaé demanda água. Cada vez mais canos que vão tirando água de um rio que já está começando a secar. Em 2030, temos um cenário de rio secando, catastrófico. Rio Macaé não suporta todas essas atividades econômicas que querem colocar aqui”.
Por e-mail, a Prefeitura informou que o Plano Municipal de Recursos Hídricos garante disponibilidade de água para os próximos anos e reforçou que desenvolve iniciativas ambientais “voltadas a garantir a proteção das nascentes e do curso de todos esses mananciais”. Acrescentou também que “a captação de água para atendimento aos projetos dos empreendimentos termelétricos fica a jusante (abaixo), em trecho posterior a área de atuação do sistema de abastecimento para consumo humano que é prioritário”.
A Marlim Azul Energia S.A., responsável pela termelétrica Marlim Azul I e II – uma joint venture da Shell Brasil com o Pátria Investimentos e a Mitsubishi Hitachi Power Systems –, afirma que a UTE é a primeira do Brasil a utilizar gás natural proveniente do pré-sal. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) garante que a tecnologia usada permite a remoção de até 95% dos óxidos de nitrogênio que são produzidos com a queima do gás natural e serial liberado para a atmosfera. A antiga “capital do petróleo” sofreu com esvaziamento econômico em 2015 e tenta se reposicionar como o maior centro de geração de eletricidade em usinas térmicas do País, utilizando o gás natural extraído do pré-sal. Só que esse é um movimento que ainda trará muita turbulência às calmas águas do Macaé.
Por Emanuel Alencar/ site Oeco Org