O que determina nosso bem-estar mental, segundo psiquiatra, vai além dos nossos genes e a química do cérebro, e inclui inflamação, saúde do intestino, sono e nutrição, entre outros
Se você passou por dificuldades com a saúde mental nos últimos anos, você não está sozinho.
Nós já vivíamos uma epidemia de ansiedade antes da pandemia e as taxas de ansiedade continuam a subir. A prevalência global de ansiedade e depressão cresceram 25% no primeiro ano da pandemia, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Deparando-se com essa crise, o campo da saúde mental oferece algumas sugestões. O consenso antigo é que problemas de saúde mental são o resultado de um desbalanceamento químico escrito no nosso DNA. A implicação é que nossa ansiedade é química, é determinada pelos nossos níveis de serotonina e é nosso destino genético. Profissionais de saúde oferecem remédios e terapia para mudar nossos padrões e levantar nosso suposto déficit de serotonina.
Mas e se essas opções não funcionam para você?
Enquanto algumas pessoas melhoram com as opções atuais, a inacessibilidade da terapia é alta e muita gente que tem problemas mentais apresenta resultados frustrantes com as medicações. Focar na química do cérebro nos levou a desprezar muito do que tem impacto nos nossos estados de espírito: o corpo tem um papel crítico e que, frequentemente, não é levado em conta na saúde mental. Para aqueles que não encontraram alívio satisfatório na medicação e terapia, isso pode ser uma boa notícia.
O que determina nosso bem-estar mental vai além dos nossos genes e a química do cérebro, e inclui inflamação, saúde do intestino, sono, nutrição, hormônios, hiperexcitação límbica crônica – causada por traumas – e até mesmo inclui ter nossa necessidade humana de convívio com a natureza, envolvimento com nossas comunidades e sentimento de sentido na vida não atendidos. Se nós temos o que é conhecido por um desbalanceamento químico, é provavelmente um efeito colateral desses outros estados de desbalanceamento.
Em outras palavras, não é tudo um produto da nossa cabeça; é, majoritariamente, algo baseado no nosso corpo e é nele em que deveríamos nos concentrar.
Eu acredito que existem dois tipos de ansiedade: ansiedade verdadeira e ansiedade evitável. Ansiedade verdadeira é o nosso compasso interno nos cutucando para prestarmos atenção naquilo que não está bem nas nossas vidas pessoais, nossas comunidades e no mundo. Não é algo para reprimir ou se patologizar.
Não é o que está errado conosco – é o que está certo quando conseguimos nos envolver com o que está errado no mundo visceralmente.
Na ansiedade verdadeira, nossos sintomas estão comunicando algo, e isso deve ser ouvido e honrado. Em vez de perguntar “como eu posso parar de me sentir tão ansioso?”, nós deveríamos nos perguntar “o que a minha ansiedade está me dizendo?”. Com frequência, existe um chamado para a ação dentro da nossa ansiedade, e quando nós deixamos nossa inquietação ser o combustível para a ação com sentido, não nos sentimos tão atolados na nossa ansiedade.
A ansiedade evitável, por outro lado, é frequentemente tão simples quanto nosso corpo tropeçando em uma resposta ao estresse, o que transmite um sinal para o cérebro que nos diz que algo não está certo. Assim, o cérebro humano – o criador do que faz sentido – oferece uma narrativa de por que nos sentimos inquietos. Nos diz que nós estamos ansiosos por causa do trabalho, de nossos filhos ou pelo estado em que o mundo se encontra.
Mas a verdade é que sempre vai existir algo que nos deixa inquietos. E a razão pela qual estamos ansiosos neste momento pode não ter nada a ver com, por exemplo, o escritório, e muito mais a ver com o estado do nosso desbalanceamento fisiológico – algo aparentemente benigno como uma queda de açúcar no sangue, uma ressaca, ou um café gelado a mais naquele dia.
Muito da nossa ansiedade, nesse sentido, não está relacionada com o que pensamos que está. A solução é não perseguir cada fonte de sofrimento no mundo, mas direcionar a ansiedade evitável no nível do corpo físico, eliminando respostas desnecessárias ao estresse e deixando muito da nossa ansiedade de lado.
Quando nós reconhecemos que estamos tendo ansiedade criada por uma resposta física, podemos resolver o problema no nível do corpo, mantendo nosso açúcar no sangue estável ou indo para a cama mais cedo. Em outras palavras, esse tipo de ansiedade é comum, causa imenso sofrimento, mas pode ser evitável.
Quando trabalho com pacientes, começo com a ansiedade evitável – é a fruta mais fácil de pegar. Criamos um inventário de ansiedade evitável. Em um momento de pico de ansiedade, esta lista pode levá-los a refletir sobre as possíveis causas de uma resposta repentina ao estresse que toma conta de seu corpo, ajudá-los a identificar a ansiedade evitável específica que pode estar ocorrendo e entender seu remédio direto.
Um inventário de ansiedade evitável pode incluir:
- Fome
- Falta de sono
- Muita cafeína
- Ressaca
- Problemas no intestino
- Inflamação
- Longos períodos de sedentarismo
- Precipitação química após consumir alimentos altamente processados
- Fase lútea tardia (os dias antes da fase de sangramento do ciclo menstrual)
- Retirada entre doses (o ponto baixo farmacológico quando você deve tomar a próxima dose de um medicamento psiquiátrico)
Ansiedades evitáveis
Identificar quando nossa ansiedade tem uma base física não faz com que nossos problemas desapareçam. Mas pode nos ajudar a reconhecer quando o desequilíbrio fisiológico está fazendo com que tudo pareça um pouco mais opressor do que realmente é. Esse inventário nos permite abordar as causas da ansiedade evitável fazendo um lanche, tomando um comprimido ou saindo para uma caminhada de cinco minutos. E podemos fazer planos para ir para a cama um pouco mais cedo à noite.
Com o tempo, identificar nossas ansiedades evitáveis tira um pouco da carga de nosso humor, nos ajuda a lidar com o problema no momento e nos dá os insights para manter nossa fisiologia mais estável daqui para frente. Também ajuda a mudar o equilíbrio da opressão para a resiliência, ao mesmo tempo em que fortalece nossa sintonia com o funcionamento interno de nossos corpos.
Embora nossa atitude cultural em relação à saúde mental seja considerá-la um destino genético e uma questão de química cerebral problemática, grande parte de nossa ansiedade está enraizada no corpo e pode ser evitada. O conceito de ansiedade evitável não implica que nossos problemas não sejam reais. Em vez disso, eliminar respostas desnecessárias ao estresse pode nos tornar mais resilientes diante de estressores inevitáveis.
Esta é uma razão para se sentir esperançoso e fortalecido. Grande parte de nossa ansiedade é sofrimento desnecessário e algumas pequenas mudanças estratégicas em nossa dieta e hábitos podem eliminar as respostas ao estresse que nos arrastam para baixo.
Colocar nossa fisiologia em equilíbrio também limpa o ar e nos permite sintonizar nossa verdadeira ansiedade. Uma vez que ouvimos essa nota de clarim, sabemos como ver o que mais importa em nossas vidas, voltar ao alinhamento e fazer nossa contribuição única neste mundo.
*Ellen Vora é uma psiquiatra integrativa na cidade de Nova York e autora de A Anatomia da Ansiedade.
Por site Terra