A prefeitura de Cordeiro, município da região serrana do Rio de Janeiro, está gastando R$ 3,5 milhões em um festival sertanejo de nove dias que ocorrerá em julho (16 a 24), com shows de artistas como Leonardo, Luan Santana e Gustavo Mioto. Ao mesmo tempo, a prefeitura vive situação de penúria nas áreas de saneamento e saúde, com hospital municipal sob risco de ir a leilão por dívidas e 60% da população sem acesso a esgoto doméstico.
Anunciado pelas autoridades municipais como “evento gratuito com entrada franca para toda a população”, o festival sertanejo vai custar, na verdade, R$ 160,09 a cada um dos 22.157 habitantes de Cordeiro. Este é o valor por habitante dos contratos da prefeitura para realizar o evento (ExpoCordeiro 2022), que somam R$ 3.546.405. O valor inclui dois contratos (show de rodeio e contratação de serviços de saúde, de R$ 431.250 e R$ 310.000, respectivamente) que ainda não foram fechados, sendo essas cifras a estimativa informada pela prefeitura.
A maior parte dos recursos públicos será direcionada ao pagamento das atrações sertanejas, cada uma realizando apenas um show, de aproximadamente duas horas, cujos valores já estão definidos.
Os shows foram contratados pela prefeitura de Cordeiro com dispensa de licitação, e seus valores foram arbitrados pelo município. Veja a lista abaixo:
1- Zé Vaqueiro – R$ 252.500
2- Maiara/Maraísa – R$ 368.500
3- Marcelo Falcão – R$ 180.000
4- Leonardo – R$ 265.000
5- Luan Santana – R$ 274.000
6- Raça Negra – R$ 225.000
7- Gustavo Mioto – R$ 193.500
8- Roupa Nova – R$ 170.000
9- Simone e Simaria – R$ 350.000
A maioria dos artistas contratados é apoiadora entusiasta do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). A dupla Simone e Simaria, por exemplo, recebeu, em agosto de 2021, o valor de R$ 1 milhão para participar de um vídeo de propaganda do governo federal.
Outro exemplo é o cantor Leonardo, conhecido bolsonarista e crítico da Lei Rouanet, que já chegou a compor, cantar e publicar vídeo de uma música de apoio ao presidente da República. Veja abaixo:
Hospital municipal sob risco de leilão
Ao mesmo tempo em que consome R$ 3,5 milhões com shows sertanejos, a prefeitura de Cordeiro vive o drama de perder por dívidas o prédio em que se encontra um dos principais equipamentos de saúde do município, o Hospital Antonio Castro.
No dia 6 de dezembro de 2021, o diretor da unidade, Everaldo Barreto, comunicou aos vereadores, em sessão da Câmara Municipal, a abertura do processo de leilão do prédio hospitalar, que vem desde 2015 apresentando problemas para atender a população e acumula dívidas trabalhistas, tributárias e com fornecedores. Na mesma sessão legislativa, o diretor do hospital disse que a dívida da unidade ultrapassava os R$ 12 milhões já em 2017, e desde então só fez aumentar.
Por se tratar de equipamento de interesse público, é provável que a prefeitura consiga reverter o leilão e obter uma renegociação das dívidas. Ainda assim, os mais de R$ 3,5 milhões gastos com o festival sertanejo não servirão para sanar as contas de saúde do município.
Pior situação vive Cordeiro no que se refere a saneamento básico. De acordo com dados de 2019, mais de 59% da população do município não é assistida em suas casas por rede de esgoto. Ainda assim, todos pagarão R$ 160 pelos shows sertanejos “gratuitos” em julho deste ano.
A Prefeitura Municipal de Cordeiro confirmou à imprensa local, no último dia 3 de junho, a contratação de todos os artistas que irão se apresentar no evento. Apesar disso, as autoridades municipais preferiram não revelar os valores envolvidos (que foram obtidos pelo DCM por meio da análise de documentos públicos municipais e, que estão disponíveis a todos no site da prefeitura, e primeiramente divulgados pela TV Educ, um veículo local).
Em vez disso, afirmou apenas que os contratos seriam pagos com recursos dos royalties de petróleo, que aumentaram muito neste ano, somados a valores economizados em uma renegociação com a empresa contratada para coletar lixo na cidade, o que teria gerado uma economia de aproximadamente R$ 800 mil.
Neste ponto, a prefeitura deixou de informar que está desrespeitando a Lei Nº 12.858/2013, que determina, em seu artigo 2º, que União, Estados, Distrito Federal e Municípios aplicarão os recursos previstos do royalties do petróleo “no montante de 75% (setenta e cinco por cento) na área de educação e de 25% (vinte e cinco por cento) na área de saúde.”
Tampouco informou que a cidade está desrespeitando determinação expressa do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, que, em relatório publicado no ano passado, expressamente advertiu o município para que não gastasse dinheiro dos royalties do petróleo com qualquer outra coisa que não fosse saúde ou educação.
As autoridades municipais informaram ainda que estimam que o evento irá movimentar cerca de R$ 1 milhão na economia local, deixando de informar que tal montante não chega sequer a um terço do volume de recursos públicos despendidos, tampouco que se trata de mero palpite, uma vez que tal estimativa é desacompanhada de estudo econômico que lhe dê lastro.
Por Diário do Centro do Mundo