Por Jamil Chade, correspondente
Desastres naturais custaram ao mundo quase US$ 3 trilhões em apenas 20 anos e, desse total, 77% das perdas (US$ 2,2 trilhões) foram gerados por eventos climáticos, que registraram um aumento importante. Os dados foram publicados nesta quarta-feira, 10, pelo Escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Redução de Riscos de Desastres, em colaboração com a Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.
A avaliação também traz uma constatação alarmante: são as populações do planeta que menos contribuem para as mudanças climáticas e mais pobres que estão sendo as mais afetadas pelo comportamento de sociedades afluentes em outras partes do mundo.
Em 20 anos, o aumento das perdas foi de 151% por conta de desastres relacionados com o clima. Entre 1978 e 1997, por exemplo, as perdas chegaram a US$ 895 bilhões.
Foram registrados 7,2 mil desastres no mundo nos últimos 20 anos Desses, 91% tinham relação direta com o clima. As enchentes representaram 43% dos casos, contra 28% para tempestades.
As maiores perdas, em termos absolutos, ocorreram nos Estados Unidos, com US$ 944 bilhões, contra US$ 492 bilhões na China. No terceiro lugar aparece o Japão, com US$ 376 bilhões, contra US$ 79 bilhões na Índia e US$ 71,7 bilhões em Porto Rico.
Na Europa, os alemães somaram perdas de US$ 57 bilhões, contra US$ 56 bilhões na Itália e US$ 48 bilhões na França. Completam a lista ainda a Tailândia, com US$ 52 bilhões e mais de US$ 46 bilhões no México.
No Brasil, as perdas chegaram a US$ 15,7 bilhões em 20 anos. Em 2004, por exemplo, o custo chegou a 0,30% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Para cada cem brasileiros, seis foram afetados por desastres naturais desde 1998. No total, em duas décadas, 2,7 mil brasileiros morreram. As enchentes de janeiro de 2011 no estado do Rio de Janeiros foram as mais importantes em termos de impacto humano, com 900 mortes registradas.
Durante os 20 anos, 1,3 milhão de pessoas em todo o mundo morreram e 4,4 bilhões foram obrigadas a deixar suas casas, feridas ou precisaram ser alvo de ajuda emergencial. 56% das mortes foram geradas por 563 terremotos, inclusive tsunamis.
Ricardo Mena, representante do Escritório da ONU para a Redução, alerta que esse é apenas a “ponta de um iceberg”, já que apenas 37% dos desastres naturais têm sido registrados. Na prática, a conta final poderia ser três vezes maior do que foi registrado.
Para completar, pouco se sabe exatamente o que ocorre nos países mais pobres. A estimativa é de que foram registradas e calculadas as perdas de apenas 13% dos desastres naturais nessas regiões.
Ainda assim, os especialistas deixam claro que, com os números existentes, são os mais pobres que sofreram mais. Hoje, os custos dos desastres representaram apenas 0,4% do PIB dos países desenvolvidos. Nos mais pobres, as perdas representam em média 1,8%, mais de quatro vezes superior.
Do total de perdas nos últimos 20 anos, US$ 761 bilhões foram registradas nos países em desenvolvimento. Mas, em mortes, quase a totalidade ocorreu nos mais pobres. Em 20 anos, das 1,3 milhão de mortes, apenas 120 mil ocorreram nos países ricos.
“Nos EUA, furacões geram perdas milionárias”, disse Mena. “Mas esse é um valor pequeno comparado com o restante da economia. Se avaliarmos o que ocorreu no Haiti e outros países, o impacto chega a ser superior a 100% do PIB desses países”, alertou. Além disso, a chance de morte nos países em desenvolvimento por conta de um desastre é sete vezes maior que nos países ricos.
Em média, Porto Rico teve perdas anuais de 12,2% do PIB, contra 17,5% no Haiti, 7% em Honduras, 7,4% na Coreia do Norte, 4,6% em Cuba e 4,2% em El Salvador.
Para Debarati Guha, da Universidade de Louvain, os dados explicitam a disparidade entre a proteção de ricos e pobres diante de uma nova realidade ambiental. “Aqueles que estão mais sofrendo com as mudanças climáticas são os que menos contribuíram para as emissões de CO2”, disse. “As perdas econômicas sofridas por países de renda média e baixa terão consequências dramáticas para seu futuro desenvolvimento”, declarou.
Segundo ela, ninguém tem hoje um registro exato da dimensão dos custos nos países mais pobres, já que uma parte importante dessas economias está na informalidade. Além disso, poucos ativos nesses locais são segurados e quase ninguém tem seguro de vida.
Para o futuro, ela alerta que os riscos são importantes, principalmente depois que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estimou que o mundo já esteja, em média, aproximadamente 1°C mais quente que antes da Revolução Industrial. E já sinta as consequências desse aquecimento, com a ocorrência de mais eventos extremos (como a onda de calor que se observou este ano no verão europeu e os incêndios nos Estados Unidos), o aumento do nível do mar e o derretimento do gelo do Ártico.
Até o momento não se tem feito muito para conter o aquecimento, e o cenário tende a piorar rapidamente. Se for mantido o ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa, o 1,5°C já pode ser alcançado entre 2030 e 2052,
“Nos próximos anos, teremos mais tempestades e enchentes. Se uma ação imediata não for feita, o aumento das perdas será acentuado”, disse.
Segundo ela, o mundo não tem mais 20 anos para adotar medidas. “As pessoas vão morrer. Precisamos, portanto, de soluções reais para os próximos cinco ou dez anos”, disse.
Além das enchentes e tempestades, ela alerta que uma das principais ameaças serão as ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas. Hoje, elas são responsáveis por apenas 5% dos prejuízos causados por desastres naturais. “Mas veremos uma explosão desses casos. Os humanos têm limites”, alertou a especialista.