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A onda de calor é um desastre negligenciado’, diz pesquisadora da UFRJ, comparando fenômeno a enchentes e deslizamentos

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Renata Libonati, da UFRJ, no “Seminário Internacional El Niño: Efeitos e impactos na saúde dos países do Mercosul”, no Ministério da Saúde Divulgação/Luiza Moterani Tedesque

Em entrevista, Renata Libonati, do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais, afirma que, entre ações que podem ser adotadas, estão suspensão de aulas em escolas sem ar-condicionado e uso de shoppings como abrigo

O brasileiro se imagina acostumado ao calor. Há até quem goste dele. Mas esse não é o tipo de calor que a maior parte do Brasil enfrenta esta semana e que deve se repetir nos próximos meses. Ondas de calor intenso mais frequentes e prolongadas são algo que ser humano algum consegue se acostumar, pois são desastres, adverte Renata Libonati, professora de Departamento de Meteorologia e coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela falou sobre o tema esta semana no “Seminário Internacional El Niño: Efeitos e impactos na saúde dos países do Mercosul”, no Ministério da Saúde, em Brasília. Estudiosa de eventos de calor e seus impactos, ela frisa que as ondas de calor são um desastre negligenciado, que deveria ser tratado com a mesma gravidade dada a chuvas, secas e deslizamentos. Destaca ainda o risco de ondas de calor geraram ondas de ozônio poluente.

Por que as ondas de calor são tão perigosas?

Elas não têm o impacto visual das tempestades, inundações, secas. Mas o calor é uma ameaça invisível e letal. Passar dias e dias sob estresse térmico causa sobrecarga no organismo humano. São dias sem descanso para o corpo. Raramente se diz que alguém adoeceu ou morreu de calor. Em geral, a causa é infarto, derrame, crise renal. Mas o gatilho foi a exposição prolongada às altas temperaturas. E isso só estamos começando a medir agora. Elas não eram eventos frequentes.

E agora?

Agora são. As mudanças climáticas transformaram a Terra. Um evento que ocorria uma vez a cada dez anos em determinado lugar, agora pode ocorrer quatro vezes ou mais. A onda de calor é um desastre negligenciado. Ela pode ser tão ou mais danosa do que chuvas, enchentes, deslizamentos.

Quando o mundo começou a prestar mais atenção no calor?

Foi há relativamente pouco tempo. Um marco é a onda de calor de 2003, na Europa (se estima que tenham morrido mais de 60 mil pessoas). Ela mudou a forma como países como a França fazem a gestão de risco. Passou a existir maior integração entre o sistema de saúde, a defesa civil e o serviço de meteorologia, por exemplo. E a integração precisa ser transversal.

Como?

Exemplos são suspender aulas em escolas sem ar-condicionado e manter shoppings centers e outras áreas refrigeradas abertos 24h para que as pessoas possam se abrigar. Penso que a área de saúde deveria estar mais atenta a isso, ter mais treinamento. Estive recentemente em discussões sobre isso no Ministério da Saúde e no Simpósio Internacional de Medicina Tropical, em Salvador. Calor é questão de saúde. E avisar só não adianta.

Por quê?

É preciso também haver prevenção e não apenas o alerta de perigo. Uma pessoa que mora num lugar quente, não tem ar condicionado ou não pode pagar a conta se protege como? Saber só que haverá calor não irá salvá-la. E também é preciso qualificar a informação que a sociedade recebe. Não tem utilidade alguma ouvir alguém na praia dizendo que adora calor enquanto pessoas que precisam andar em ônibus sem arcondicionado, trabalhar ao ar livre, sob o sol quente sofrem e correm risco. Não há glamour em onda de calor.

Como o calor pode afetar a saúde?

De muitas formas e isso ainda precisa ser mais investigado no Brasil. Mas estudos do nosso grupo já mostraram que durante ondas de calor há um risco 20% maior de partos prematuros. Ele potencializa crises de doenças mentais e episódios de violência. Algumas drogas antiansiolíticas, por exemplo, têm seus efeitos alterados. E há grupos muito vulneráveis.

Quais são eles?

São muitos. Sobretudo pessoas com comorbidades (cardíacos, pacientes renais, diabéticos, por exemplo), idosos, crianças, obesos, sedentários. Ser pobre e ter baixa escolaridade também é fator de risco porque impede o acesso a meios de proteção. E há impactos indiretos.

Quais?

Um deles é na produção de alimentos. Há perdas, pois muitas culturas não toleram tantos dias sob temperaturas extremas e sem chuva. Há também impactos no setor de energia. Com o excesso de demanda, a transmissão e a distribuição sofrem, mesmo que haja energia suficiente. O risco de apagão aumenta. E mesmo que você tenha ar condicionado e possa pagar uma conta cara, terá problemas. Há também o aumento da poluição.

Como as ondas de calor agravam a poluição?

Uma das formas é com as queimadas. A vegetação seca sob alta temperatura fica mais vulnerável, os incêndios se espalham e as pessoas que vivem perto de áreas afetadas são atingidas pelo ar de péssima qualidade. Mas mesmo quem mora em cidades é afetado, nesse caso por ondas de ozônio.

O que são ondas de ozônio?

Elas podem ocorrer em ondas de calor urbanas. Como não há nuvens, a radiação solar fica mais intensa e isso leva a reações químicas nos poluentes presentes nas cidades, emitidos por indústrias, pelos veículos. Em linhas gerais, essas reações liberam ozônio. E o ozônio nas camadas mais baixas da atmosfera é um poluente perigoso, que deteriora a qualidade do ar e afeta principalmente pessoas com doenças respiratórias. São muitos os efeitos nocivos de uma onda de calor. É, por isso, que precisamos mudar a forma como lidamos com elas.

Por O Globo

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