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Missa e repressão

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Padres tentam evitar choque com policiais a cavalo durante missa

Meninos, eu vivi isso. Ninguém me contou, acreditem. Eu estava lá!

Era dezembro de 1967 e a igreja era a de Santo Antônio, na esquina da Rua Nova com a pracinha do Diário, no centro de Recife. A missa celebrava a formatura em Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco. O celebrante, Dom Helder Câmara, fora escolhido pelos formandos de todos os credos, por unanimidade. O templo estava lotado pelos recém-formados e seus familiares, além de alguns espiões das forças armadas, soube-se depois, interessados em ouvir e gravar o sermão do celebrante, sempre temido pelos líderes da ditadura que se instalara no Brasil havia quase quatro anos.

Sim, meninos, houve ditadura nesse Brasil. Apesar das recentes tentativas de seguidores do ex-presidente Bolsonaro, não há como esconder isso enquanto estiverem vivas, e lúcidas, pessoas com a minha idade.

A missa prosseguia e nem o calor do alto verão conseguia reduzir a atenção dos presentes às palavras do então Arcebispo de Olinda e Recife. Pequeno, magrinho, aquele cearense falava baixinho, suavemente, interpretando as escrituras de modo a escancarar as atrocidades do regime político vigente naqueles dias.

Sabendo-se eternamente vigiado, procurava usar palavras de duplo sentido de modo a ser entendido, sem deixar provas de que estava incentivando os jovens engenheiros a exercerem suas atividades profissionais lembrando-se daqueles irmãos que não tiveram as mesmas oportunidades que eles. Deveriam sempre trabalhar visando reduzir a desigualdade social existente no país. Sutilmente, ele fez os presentes sentirem a responsabilidade que teriam perante a sociedade, até como forma de retribuição dos recursos da nação, na verdade recursos do povo brasileiro, que lhes permitiram cursar a universidade gratuitamente.

Durante a comunhão, os mais atentos perceberam que Dom Helder, ao colocar as hóstias nas bocas dos fiéis, murmurava algo mais do que litúrgico “O corpo de Cristo”. De fato, ele alertava um a um para, ao final, saírem da igreja aos poucos, pelas laterais, e se dispersarem rapidamente. Por que aquilo? Porque do altar, de frente para a porta principal da igreja, o celebrante tinha ampla visão do exterior e via a pracinha do Diário, na frente da nave, coalhada de militares da cavalaria, que certamente não estavam ali para aplaudir os formandos de 1967 da Escola de Engenharia de Pernambuco.

O conselho do Arcebispo sutilmente se espalhou pela igreja e foi cumprido à risca, permitindo que só uns poucos incrédulos, ou desavisados, fossem interpelados pelos cavalarianos. Eu, que vivi aquela situação absurda, naquele momento acreditava que os militares tinham passado dos limites, e que aquele ambiente de desconfiança e repressão política logo passaria. Quanta ingenuidade!

Apenas um ano depois eu cai na real. No dia 13 de dezembro de 1968, o Brasil foi atropelado pelo Ato Institucional nº5, e deu no que deu.

Por Alfeu Valença

Alfeu Valença é ex-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET – Consultoria e Engenharia de Petróleo.

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