Em entrevista exclusiva, a Juíza Eleitoral Gisele Gonçalves Dias explica os efeitos da divulgação de informações falsas nas eleições e como a Justiça está preparada para combater esse crime
Consideradas como práticas odiosas e vis, as “Fake News” já são reconhecidas como operação criminosa que fere a democracia, ao manipular e interferir na decisão do eleitor em seu livre exercício de escolha, que determinará o futuro político e administrativo de Macaé no próximo dia 15 de novembro.
Em entrevista exclusiva ao jornal O DEBATE, a Juíza Gisele Gonçalves Dias, que está à frente da 109ª Zona Eleitoral da cidade, explica quais são os efeitos da disseminação de informações falsas durante o pleito, de que forma a fiscalização será realizada sobre esse material virtual e aponta as penalidades impostas pela lei, sobre quem cria, compartilha ou financia esses dados, práticas que podem gerar condenações de 2 a 4 anos de cadeia, além de multa de até R$ 50 mil.
Confira a entrevista exclusiva:
O que é considerado como Fake News segundo a Legislação Eleitoral?
Dra. Gisele: “Para a Justiça Eleitoral, ´”fakenews” é qualquer notícia levada a público, seja na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda, principalmente nas redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas que, por decisão fundamentada do magistrado eleitoral, seja reconhecida como falsa, normalmente possuindo conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, agressivo,que contenha ataque a candidatos, que o degrade ou o ridicularize . Em suma, são notícias comprovadamente falsas, circulantes em meios digitais, que contenham violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral”
Como a Justiça tem se preparado para receber e analisar denúncias baseadas em Fake News?
Dra. Gisele: “O Tribunal Superior Eleitoral tem veiculado campanhas no rádio e na televisão visando conscientizar as pessoas a não compartilharem em suas redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas notícias suspeitas.
A orientação do TSE é no sentido de que as pessoas procurem verificar a veracidade das notícias que venham a receber, referentes a candidatos e partidos políticos, antes de compartilhar estas notícias com outras pessoas nos meios digitais.
De outro lado, cabe ressaltar que os candidatos e partidos políticos contam, há bastante tempo, com mecanismos de defesa previstos na legislação eleitoral que podem ser utilizados no caso das “fakenews”.
São instrumentos processuais que os candidatos podem lançar mão para levar ao conhecimento da Justiça Eleitoral a sua intenção de ver cessar imediatamente a circulação de fakenews, bem como buscar a responsabilização criminal dos responsáveis por sua divulgação.
As principais ferramentas previstas na legislação eleitoral são a Representação Eleitoral, o pedido de Direito de Resposta e a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.
A Resolução TSE nº 23.610/2019, que dispõe sobre “propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral”, foi elaborada pelo Tribunal Superior Eleitoral com a preocupação de agilizar o combate às “fakenews”. Tanto que conta com seção específica denominada “da remoção de conteúdo da Internet” em seu artigo 38”
Em que perfil de crime eleitoral as Fake News se enquadram? Qual é a previsão de penalidade?
Dra. Gisele: “As “fakenews” podem ensejar a tipificação de crimes como a calúnia eleitoral, a injúria eleitoral, a difamação eleitoral e a denunciação caluniosa com finalidade eleitoral.
Vale lembrar que toda a manifestação de pensamento na internet, durante a campanha eleitoral, não pode ser anônima. A pessoa que se valer do anonimato para veicular “fakenews” com finalidade eleitoral estará sujeita à multa no valor de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00”
Qual é o efeito das Fake News sobre a transparência e a lisura do processo eleitoral?
Dra. Gisele: “As “fakenews” são notícias ou publicações cujo conteúdo se mostra falso, constituindo extrapolação ao direito constitucional de livre manifestação do pensamento.
As referidas notícias falsas às vezes referem-se a determinado candidato, outras vezes são declarações falsamente atribuídas a determinado candidato, como se por ele proferidas.
A criação e disseminação de notícias falsas têm capacidade potencial de influenciar e desequilibrar o resultado do pleito eleitoral, gerando a possibilidade de interferência indevida na escolha dos agentes políticos, atingindo o Estado Democrático de Direito em sua essência”
O financiamento da divulgação das Fake News também pode ser considerado crime? E tem previsão de penalidade?
Dra. Gisele: “Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 a 4 anos e multa de R$ 15.000,00 a R$ 50.000,00, nos termos do §1º do artigo 57-H da Lei nº 9.504/97. As pessoas que são contratadas com esta mesma finalidade também incorrem no mesmo crime”
Quem divulga Fake News pratica qual crime segundo a Justiça Eleitoral?
Dra. Gisele: “Algumas “fakenews”são criadas com finalidade eleitoral e atribuem a alguém ̶ normalmente a algum candidato ou pessoa que possua vínculo com ele ̶, a prática de fato considerado como crime.
A calúnia eleitoral é prevista no art. 324 do Código Eleitoral e possui pena prevista de 6 meses a 2 anos de detenção e pagamento de multa. Quem ajuda a divulgar “fakenews” que contenha calúnia eleitoral mas que, de algum modo, saiba que a imputação é falsa, incorre nas mesmas penas da calúnia eleitoral.
Recentemente, por intermédio da Lei 13.834/2019, criou o legislador o crime de “denunciação caluniosa eleitoral”, no qual alguém dá causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral. A pena para este crime é de 2 a 8 anos e multa.
Neste caso, a pessoa que comprovadamente tenha ciência da inocência do candidato e, mesmo assim, ajuda a divulgar a referida “fakenews” contendo o crime que foi falsamente atribuído àquele candidato, fica sujeito à pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa, nos termos do artigo 326-A do Código Eleitoral.
O §3º do artigo 326-A prevê que incorrerá nas mesmas penas quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.
Resumindo: caso alguém leve ao conhecimento das autoridades públicas a ocorrência de um fato criminoso de que saiba que o denunciado é inocente, com finalidade eleitoral, comete crime. Quem, sabendo que o denunciado é inocente, ajuda a divulgar o fato, também comete crime”
Vivemos atualmente uma fase do Calendário Eleitoral. E isso agrava os efeitos das Fake News?
Dra. Gisele: “Atualmente vivemos o período de pré-campanha eleitoral. A partir do registro de candidaturas, entraremos no período de campanha eleitoral. Quanto mais próximo estivermos da data de realização das eleições, mais danoso será para o bom andamento do processo eleitoral como um todo a circulação de “fakenews”, vez que o tempo necessário para a adoção das medidas judiciais tendentes a retirar estas“fakenews” de circulação ficará cada vez mais curto, correndo o risco de que as mesmas ainda estejam em circulação durante a data de realização do pleito, trazendo sérios prejuízos para os candidatos por elas afetados”
Como pode ser registrada uma denúncia de ataques a pré-candidatos baseada em Fake News?
Dra. Gisele: “O pré-candidato que se sentir ofendido pela divulgação de “fakenews” podem solicitar diretamente à Justiça Eleitoral a retirada de circulação das mesmas da internet. Para tanto, o pré-candidato deverá providenciar, com o intermédio de advogado, o devido peticionamento no sistema PJE – Processo Judicial Eletrônico, sistema este que já está sendo utilizado nos cartórios eleitorais do Estado do Rio de Janeiro, em substituição aos processos físicos de papel”
A Justiça Eleitoral de Macaé já apura alguma denúncia baseada em Fake News?
Dra. Gisele: “Por enquanto, não”
Na sua opinião, como as Fake News afetam à população (eleitores)?
Dra. Gisele: “As “fakenews” afetam direitos básicos dos cidadãos, porque maculam o seu livre pensamento e induzem o eleitor negativamente. Operam uma interferência indevida no processo de escolha dos agentes políticos que irão ser empossados nos Poderes Legislativo e Executivo, maculando o livre exercício da Democracia, bem como atingindo a essência do Estado Democrático de Direito.
São práticas odiosas e vis, pois retiram do eleitor, em última análise, o seu direito de participar do exercício do Poder, através daeleição de um candidato que represente ativamente os seus legítimos interesses. Por isso, é muito importante que o cidadão desconfie de notícias recebidas e não repasse sem antes buscar averiguar a procedência e veracidade das informações. Outro ponto importante é o dever que temos de respeitar a liberdade de voto dos demais cidadãos, ainda que não comunguem do mesmo pensamento.
A democracia, como direito conquistado, tem que ser protegida e defendida por todos nós”.