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A vida é musical

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A vida é musical! Já nos dizia o filósofo Nietzsche! O filósofo Deleuze neste mesmo caminho nos apresentou a musicalidade da vida a partir da biologia de Uexkul!

A biologia musical de Uexkul nos apresenta uma visão de mundo onde os contrapontos movimentam os encontros da biodiversidade.

Seres completamente diferentes se compõem para que a exuberância da vida se expresse em mais vida!

A biomusicalidade, a musicalidade da vida se expressa a cada instante. Vamos aos exemplos: se não houvesse qualquer coisa da abelha na flor, e se não houvesse qualquer coisa da flor na abelha, o acorde não se faria!

Esta perspectiva Uexkul se inspirou em Goethe! É só imaginarmos que qualquer coisa da flor afeta a abelha: o pólen, a forma aberta da flor que como um corpo que a acolhe, vem envolvê-la como num ninho de vida.

Mas, a forma da flor foi feita para receber o corpo da abelha. Esta também foi feita para poder penetrar nos recantos do corpo da flor.

Suas patinhas possuem garras e, nelas, o pólen se agarra. No voo para outras flores o pólen das suas garrinhas são deixadas por ali.

As abelhas germinam as outras flores num movimento onde os contrapontos entre os seres tão diferentes fazem nascer mais vida na natureza.

Mas, o que são os contrapontos? Na música dizemos que uma nota musical pode fazer o contraponto com uma outra. Assim, a melodia de uma flauta poderá fazer o contraponto com as melodias de um violão.

E estes poderão estar em contraponto com o baixo e com outros instrumentos. Destes contrapontos extraímos as conversas, os diálogos, as relações entre as sonoridades melódicas, timbrísticas, harmônicas e rítmicas entre eles.

Uma música é feita por contrapontos de sonoridades distintas, entre instrumentos distintos.

A magia se dá quando estas sonoridades fazem corpo: elas produzem um corpo sonoro muito mais potente do que se estes instrumentos estivessem sozinhos se expressando.

O mesmo pode-se dizer das composições da biodiversidade. Assim, os seres múltiplos e diversos da natureza se compõem uns com os outros em contrapontos.

Alguma coisa do outro ser será o signo, o sinal, será a melodia na qual e pela qual um outro ser poderá se compor: eles foram feitos um para o outro.

Os seus corpos, as suas maneiras de se afetar, as suas percepções, as suas sensibilidades foram feitas de tal modo para que possam se unir, possam se afetar mutuamente para produzir mais vida!

E os seres humanos? Qual tem sido a biomusicalidade humana? Podemos dizer que a musicalidade da vida humana não tem produzido composições interessantes.

O que vemos [e a experiência nos apresenta isso] é a competição, a inveja, é a compreensão de que o outro é um inimigo, é o sentido dirigido ao poder sobre o outro sendo mais importante que a cordialidade, tem sido mais importante que o respeito e o amor pelas diferenças.

Ao contrário da natureza, os seres ditos humanos vêm apresentando contrapontos agressivos e destrutivos. Não somente em relação a eles mesmos, mas, outrossim, em relação à própria natureza.

O importante tem sido extrair tudo dela, sem dela cuidar! O mais importante é extrair até a última gota de vida da natureza, mesmo que isto valha a sua destruição total!

Ao invés de pensarem nas próximas gerações, nas crianças que estão nascendo aqui e agora, o pensamento é o de extrair tudo para se pensar somente no presente: num presente vazio de sentido existencial!

Este é o modelo de países que só pensam em si mesmos, extraindo tudo o que podem de outros, deixando os rastros da destruição como marcas do seu império.

Mas, nós podemos construir novos contrapontos a partir de nossa posição na nossa vida cotidiana: desenvolvendo a capacidade de não julgar pelo fato simplesmente de julgar;

desenvolvendo a capacidade de respeitar pontos de vista diferentes; desenvolvendo a capacidade de escutar o outro; desenvolvendo a capacidade de sentir o outro;

desenvolvendo a capacidade de se aproximar daqueles que são diferentes de nós; desenvolvendo a capacidade de se abrir às diferenças: pois, por vezes, nós nos sentimos tão estrangeiros em nós mesmos, sem saber o que sentimos, sem nos compreender, sem sabermos explicar o que desejamos para nós.

Talvez reconhecer que não temos certeza o tempo todo sobre nós mesmos seja um contraponto importante para compreendermos que a vida ganha a sua grande exuberância quando também podemos compreender aqueles que diferem de nós.

E isso a natureza nos ensina a cada momento!

Abraços,

Paulo-de-Tarso

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