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Torcendo para estar errado

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Há décadas, os especialistas alertam a humanidade para as mudanças climáticas que estavam, e continuam, sendo induzidas pelas próprias atividades humanas. Uma corrente de cientistas negacionistas alegava que era puro alarmismo, porque essas mudanças sempre ocorreram na vida da Terra, em ciclos de calor ou gelo, nas invasões e recuos dos mares etc., tudo comprovado pela paleontologia e geologia.

Explicavam, com boa argumentação, que aquelas mudanças climáticas eram cíclicas e entre elas decorriam milhares de anos e, portanto, nada de importante aconteceria nos próximos séculos. Eximiam os homens de qualquer responsabilidade por ser um processo natural da dinâmica da Terra e, portanto, nada poderia ser feito. Alguns iam mais adiante, acusando os “alarmistas” de serem cientistas que ficaram desempregados com o fim da guerra fria, e inventavam boatos (ainda não se usava o anglicismo fake news) para garantir seus sustentos.

Eram debates teóricos usando tempos geológicos, o que tornava a discussão inútil porque as teses somente seriam comprovadas, ou não, alguns séculos adiante. Acontece que os cientistas de ambas as correntes de pensamento esqueceram de combinar com a Mãe Natureza, aquela que é responsável por todos os recursos animais, vegetais ou minerais, essenciais à vida humana na Terra. E ela resolveu mostrar que, pelo menos aqui no Brasil, o tempo geológico encurtou e, ajudadas pelas mãos humanas, as mudanças climáticas já chegaram.

E chegaram, chegando. Apenas para recordar o que todos sofreram, ouviram falar ou assistiram em reportagens, citarei alguns desastres mais recentes.

A enorme onda de calor ocorrida em 2023, continuada com sensações térmicas acima de 50 graus em março deste ano e as inacreditáveis secas dos rios amazônicos (as águas do imenso rio Negro caíram para o menor nível desde 1902), mostram a violência e o ineditismo desses fenômenos. Em fevereiro do ano passado, as chuvas e deslizamentos de terra mataram 64 pessoas e fizeram enormes estragos no litoral norte de São Paulo; também naquele ano, o estado de Santa Catarina foi afetado por enchentes no vale do Itajaí e, incrivelmente, até o tradicionalmente árido nordeste sofreu, também em 2023, destruidoras enchentes em Pernambuco e Bahia.

Há poucos meses, o Pantanal foi atingido por incêndios seguidos de secas jamais vistas na região. Ou seja, a mudança climática já ocorreu e ainda está por aqui. Para quem duvidava, como os deputados federais (alguns deles são gaúchos, sim senhor) que fazem tramitar na Câmara cerca de 20 projetos que afetam negativamente o meio ambiente, o atual desastre que está arrasando quase todo estado gaúcho evidencia que não há mais razão para manter a incredulidade.

Diante desses fatos, não adianta fingir ceticismo ou fugir da responsabilidade, culpando o El Niño ou o ator Leonardo di Caprio. Eu e todos sabemos quem são os responsáveis pelos desmatamentos das florestas, pelos cortes das matas ciliares, pelo descaso diante de construções clandestinas em terrenos deslizáveis, e várias outras atitudes que “aproveitam a hora para deixar passar a boiada”, criando as condições favoráveis para a destruição da natureza e o enriquecimento de alguns.

Diante da admirável solidariedade humana atualmente aflorada para ajudar a população do Rio Grande do Sul, alguns otimistas começam a acreditar que a desgraça daquele estado deixaria como legado a pacificação política do Brasil, acabando definitivamente com a tal polarização condenada por quase todos os brasileiros. Infelizmente, não comungo com esse pensamento. E por que estou pessimista? Basta dar uma olhadinha nas redes sociais e ver que os mesmos cérebros que fizeram campanha negacionista durante a pandemia de Covid-19, agora inundam as redes com mentiras e calúnias, politizando com baixo nível uma belíssima e espontânea associação de civis, militares, governos municipais, estadual e Federal.

Sinceramente, torço firmemente para estar errado e ver os nossos representantes no Congresso Nacional retirarem todos os projetos em andamento, favoráveis a algumas bancadas específicas e contrárias ao nosso agredido meio ambiente.

Por Alfeu Valença

Alfeu Valença é ex-presidente da Petrobrás e fundador da CONPET – Consultoria e Engenharia de Petróleo.

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